Crítica: “Colóquio Sentimental” analisa degradação das relações afetivas

“uma mesa que é como uma cama diurna
com seu coração de árvore, de floresta
é importante em matéria de amor” Ana Martins Marques

Colóquio Sentimental aborda tema comum a todos

Se o título pomposo implicar numa distância à primeira vista, lembre-se: não se deve julgar pela capa o livro. Aos primeiros passos de “Colóquio Sentimental” o conteúdo se descobrirá conhecido, íntimo. A aparente banalidade do tema diz muito a seu respeito: os movimentos mecânicos, repetitivos, os automatismos das relações que se denominam “afetivas” e a lenta degradação que instalam, revelando, outra vez, que não se deve julgar a capa antes do livro; por trás da palavra “afetiva” se concentrarão sentimentos de angústia, ansiedades reprimidas e a necessidade de controle e domínio presentes na forma estabelecida como a consensual para constituir uma existência plena. Os sentimentos são esgarçados através de linguagem mimética, em que a dança desempenha papel decisivo, não apenas pela concisão dos movimentos, prenhes de sentido, mas por que sublinha com beleza o que se imagina. Precisa, contundente e criativa, direção e dramaturgia partem de um amplo campo analítico; detentoras desse embasamento remodelam as intenções e os discursos guiadas por sede estética, que se sacia. O texto é cabal, vai às veias.

A narrativa adota o tempo em outra perspectiva – para pegar emprestado termo do cineasta russo Andrei Tarkovsky – ao “esculpi-lo”, ele emerge da pedra não linear, relativo, surtindo o efeito de uma parábola, artifício que atende com vigor às questões da peça. A iluminação desenha com brilho os sentimentos, enquanto a trilha inclina-se em favor das cenas, preenchendo-as em seus intencionais vazios. Cenário e figurino são igualmente surpresas positivas, ao adensarem passos, palavras e gestos. Uma dentre as tantas qualidades da montagem é oferecer uma condição simples e dela retirar quadro complexo, vivo, cheio de matizes. Daí que luz, figurino, trilha e, principalmente, cenário, insurjam com tamanha grandeza, pois sustentados por inquietações fundamentais. A atriz Camila Felix e o ator Gabriel Corrêa – que também assina dramaturgia – realizam impressionante trabalho de composição interpretativa, pois no aparente colóquio que se insinua estabelecem diálogo direto com a plateia. Falam com suas emoções para as dela. Tão notável que em cenário repleto de qualitativos ainda assim se destacam. É uma obra-prima.

Ficha técnica
Dramaturgia e iluminação de Gabriel Corrêa.
Direção de Mônica Ribeiro.
Com Camila Felix e Gabriel Corrêa.
Trilha Sonora: Francisco César/Figurino: Jonnatha Horta Fortes/Produção executiva: Anselmo Bandeira e Karol Monteiro/Produção: Camila Felix, Gabriel Corrêa e Mônica Ribeiro.

*Espetáculo presente à programação do Verão Arte Contemporânea 2017.

Espetáculo é protagonizado por Camila Felix e Gabriel Corrêa

Raphael Vidigal

Fotos: Luana Aires.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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