“a poesia
me come
me penetra
me descobre me revela
gozando em cima de mim
mas eu não cuspo:
engulo” Bruna Kalil Othero
A proposta é simples, e o trabalho também – ao menos aparentemente, mas o que fica claro é que há bem mais que aparência. Fotografar mulheres nuas em um ambiente arejado, puro, caiado. Tudo para que elas se sintam à vontade, e os recursos apontam nessa direção. Jorge Bispo, reconhecido fotógrafo do gênero, afirma na apresentação que tinha por princípio “abrir a casa para fotografar mulheres de verdade”, e que, com isto, ao passar do tempo, “a casa se tornou minha e delas”. É verdade, por que a partir da abstração do desnudamento, posto de maneira objetiva e real, as mulheres se revelam muito mais e além dos corpos. O programa vai ao ar no Canal Brasil, na meia-noite de toda sexta-feira e já coleciona mais de três temporadas de reconhecimento.
Enquanto elas se despem para as lentes peculiares e elegantes de Bispo, depoimentos em que tergiversam sobre posarem nuas nos dão os caminhos e motivos que transformam o gesto em ato político e libertador. Não existe vulgaridade ou enfado nesta contemplação do corpo feminino, pelo fato simples e grandioso de que a atração procura, e alcança, não somente naturalizar o corpo como algo comum, mas, principalmente, dar voz a mulheres brasileiras, gesto ainda mais prenhe de afirmação para se tornar comum. Sobretudo pela inteligência de referendar a diversidade, tanto no aspecto corporal, tátil, quanto no discurso que só apanhamos pelas palavras, mas que tanto ou mais nos toca. Apartamento “302”, assim, tece sua ode à linguagem feminina e feminista.
Raphael Vidigal
Fotos: Jorge Bispo/Divulgação.