“os sonhos que rabiscam velhos mares não são mais daquela
finidade antiga; e ser, nesta meia-hora, é descascar sem muita
pressa, é interpretar nuances de magia.” Ana Cristina Cesar
Maria Inês Aroeira Braga tem um mundo próprio. Ela não é dona desse mundo, mas pertence a ele. Ali habitam duendes, fadas, gnomos, sacis-pererês e toda sorte de encantamento. Conversando com ela você vai perceber a existência de uma realidade que, transparente à nossa retina, fala diretamente ao coração, como uma flecha lançada por um cupido zombeteiro, meio anjo e meio criança, como são, afinal de contas, todas as figuras encantadas.
Ao escrever, Maria Inês utiliza uma linguagem simples, aquela mesma do verso bíblico que diz “ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos deuses, sem amor eu nada seria”; transformada pelo compositor Renato Russo (1960-1996) em música, outra de suas paixões. O afeto é o guia de suas criações e, por conta disso, qualquer sinônimo de excesso e afetação são deixados de lado, pois todos sabemos que ao amor interessa o discurso despido de segundas intenções. O texto de Maria Inês se entrega a nós com a nudez sincera, pura, simples, natural e humana de todos os amantes do mundo.
Pois voltamos a este mundo que, como dito antes, no contato primeiro com a retina, elipsa a sua condição mais profunda. Não há esconderijos ou labirintos nos versos poéticos de Maria Inês, porém, há sobretudo o que podemos chamar de fantasia, algo que difere frontalmente do que se possa entender como disfarce. A fantasia de Maria Inês é a mais pura representação da verdade, e que tampouco tem a ver com realidade, outro conceito distinto. O poeta gaúcho Mario Quintana (1906-1994) elucidou essa charada com a sabedoria de sua categoria, tornando-a ainda mais repleta de mistérios. “O fato é um aspecto secundário da realidade”, escreveu ele.
A provocação veste como uma luva a fábula que Maria Inês quer nos contar. Um gnomo ermitão – cumpre dizer, também “sonhador”, característica essencial – que, munido de argila, gravetos e folhinhas dá forma a tudo aquilo que lhe cabe na imaginação. No conto de Maria Inês convergem histórias aparentemente irreconciliáveis, trocando a culpa pela ternura, e compreendendo que a beleza da passagem de um Salvador pela Terra tem menos a ver com sacrifício do que com uma entrega, que pode ser entendida como o abrir de um coração para que ele se encha todo, e assim transborde por entre os rios, lagos e riachos de uma aldeia que mora no coração dos seres humanos, e que eles podem abrir toda vez que se lembrarem da chave da infância.
Como foi dito de passagem, outra paixão de Maria Inês é a música, pois é impossível não notar o ritmo que ela empresta para as palavras, com a habilidade do flautista ou violonista que manuseia seu instrumento harmônico. Também comparece neste livro raro – único pelo estilo e quantidade –, a arte do desenho e da pintura desenvolvida por Maria Inês. Cada imagem reflete a delicadeza dos traços da autora, consciente da fragilidade e preciosidade dos corpos que ela pinta. Concluímos então que a matéria-prima da arte de Maria Inês, urdida por sons, palavras e cores, pode ser comparada aos gravetos, folhas e argila que o gnomo de sua fábula usou para construir um mundo novo. A matéria-prima de Maria Inês é a vida. Tão encantada quanto verdadeira.
Biografia
Maria Inês Aroeira Braga nasceu em Belo Horizonte e morou no bairro Santo Antônio. Escritora, poeta, pintora e compositora, ela foi finalista do Concurso de Marchinhas Mestre Jonas em 2017, com a marcha-rancho “Adeus de Carnaval”. Os poemas da autora, todos escritos em forma de soneto, podem ser encontrados no canal que ela mantém no YouTube com o seu nome.
Raphael Vidigal
Ilustrações: Maria Inês Aroeira Braga