“Do Drama, a mais viva expressão é o dia comum,
Que nasce e morre à nossa vista;
Diversamente, a Tragédia,
Ao ser recitada, se dissipa
E é melhor encenada
Quando o público se dispersa
E a bilheteria é fechada.” Emily Dickinson
O palco mal lhe sentia a presença, tal era a tamanha doçura e delicadeza com que o pisava. Cleyde, natural de Pirassununga, no interior de São Paulo, acostumara-se ao extremo cuidado. De cedo perdeu pai, por curso natural das coisas, nada das grandes tragédias ou a secular tempestade, o dilúvio, nada. O pai saíra de casa. Não mandou lembranças, nem carta de despedida houve. Entregues à sorte, essa seria agora a casa das três mulheres. A mãe, bem nutrida de carnes, e a irmã, jovem, incentivaram-na através do exemplo a não ficar parada. Ao invés disso, Cleyde, com sua quietude em cima do palco provava o contrário.
Começara no ramo da enfermagem, o que em parte explicava o cuidado; de outro, o primeiro contato com o mundo das artes havia se dado através de cabides e vestimentas. Estava responsável por deixar em ordem o guarda-roupa do Teatro Brasileiro de Comédia. Mas para a esguia figura a brincadeira de repente ficou séria. Não mais que um desastre. Assim compreende-se o fato de Cleyde Yáconis ter pisado a primeira vez, com a cautela característica, para atuar no palco. Evidentemente já lhe havia tropeçado quando afoita e apressadamente entrava para entregar a roupa a um colega.
A essa altura não eram colegas, não como se costuma tecer essa ligação à palavra. A irmã, ao contrário, mantinha intimidade com o tal teatro. Incentivada por esta, Cacilda, aliás, foi que Cleyde Yáconis levou em consideração trabalhar entre os cabides da companhia. Mas o que a esperava. Ah! O que a esperava. Justamente. O desastre. Por uma pirueta fatal a atriz principal do espetáculo a ser encenado naquela data, horário próximo, sem tempo para chamar do ramo uma profissional, caiu doente. E os produtores se desesperaram, os atores, diretores, todos! Gritaria, aflição, um espasmo! Não havia saída, outra…
Ah não ser… Isso! É essa a idéia! Só pode ser… Tem que ser! Haverá salvação no final do túnel?
Assim, em meio ao desastre, calmamente, com a quietude, doçura, delicadeza, cautela, totalmente entregue e dedicada, despida de qualquer escárnio para com a situação que era de agrura, Cleyde Yáconis apresentou-se ao palco. E este, sentindo a presença diáfana, alcançou louvas, delírios, aplausos, alturas inalcançáveis.
Donde hoje repousa a estrela de Pega fogo, O Anjo de Pedra, Santa Marta Fabril S. A., Seis Personagens À Procura De Um Autor, Yerma, tantos outros; jamais retirada do palco.
Cleyde Yáconis.
Raphael Vidigal
3 Comentários
Linda e talentosa!
Post Raphael Vidigal!!! A maravilhosa Cleide Yáconis………
Essa “fera” das artes foi vista na TV ITACOLOMI (TV/ITACOLOMI/SEMPRE NA LIDERANÇA/CANAL 4/BH/MINAS/GERAIIIIIIIIIIS) e passou pelos palcos de BH/MG, marcando presença no 25º andar do Edifício Acaiaca. Ótimo ver jovem como Raphael Vidigal valorizar e resgatar esse ícone.