Centenários 2018: Ingmar Bergman foi único ao fazer sempre o mesmo filme

“as dores amainaram, o corpo está dormente e a luz solar reflete-se, por alguns instantes, sobre a grande cama, lá onde ela está deitada, pequena e encolhida, com as mãos abertas. Volta e meia, percorre o pequeno corpo num estremecimento, parecido com um soluço, mas, que é, agora, quase tranquilo. O pequeno pêndulo, com seu pastor tocando flauta, mede, imperturbado, o tempo.” Ingmar Bergman

Ingmar Bergman (1918-2007) faz sempre o mesmo filme. Assistir a cada um deles é uma experiência única. Algumas palavras podem dar conta do seu cinema, como nostalgia, remorso, existencialismo, abandono, angústia, socorro, mas uma delas se sobressai. Quem já teve a oportunidade de ler um roteiro escrito pelo sueco tem a possibilidade de se perguntar o porquê dele ter preferido a sétima arte à literatura. É com agudez, poesia, riqueza de detalhes, e ritmo que o diretor tece os caminhos que o levam direto para a interrogação. Dúvida é a palavra que melhor descreve a prolífica obra de Ingmar Bergman. Não como em Godard ou mesmo Tarkovski, mas em seu sentido mais clássico.

Se em “Mônica e o Desejo” ele questiona a juventude, com “Morangos Silvestres” pergunta-se sobre a velhice, a passagem do tempo. “Da Vida das Marionetes” coloca em cheque o mecanismo das relações afetivas e, com o sublime “Luz de Inverno”, a dúvida atinge a existência de Deus. “A Hora do Lobo”, “Sonata de Outono”, “Gritos e Sussurros”, “A Paixão de Ana”, “Quando Duas Mulheres Pecam”, além do supracitado “O Sétimo Selo”, embaralham as mesmas peças desse jogo de xadrez. O estilo do artista se impõe sobre outras premissas, pois a sua maneira de contar a história atingiu aquele patamar de identificação pelos maneirismos: cor, música, intérpretes e gestos estão juntos.

Embora o cinema tenha se imposto como o lugar da imagem, a força dos diálogos é mais uma das características à vista nas películas de Bergman. O que explica, em alguma medida, a admiração do norte-americano Woody Allen. Bergman, no entanto, aparece mais habilidoso no uso delas, na escolha de em quais circunstâncias o texto determina peso sobre a cena, como uma massa de gesso que afunda a superfície, e assim aumenta a sua profundidade. Apesar de temática e enredo variarem, o que permanece em Bergman é a capacidade de, através de um rosto, filmar a alma de suas personagens. E a alma, como se sabe, é o campo da interrogação. Afinal de contas, ela, em si, é uma dúvida.

Raphael Vidigal

Fotos: Arquivo/Divulgação.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]