“[O cinema] É o maior trem elétrico que um menino já teve.” Orson Welles
O próprio Orson Welles admitia ser conhecido por apenas um sucesso. “Estava na Itália e um italiano me perguntou, em italiano, porque não tinha feito mais nenhum filme depois de ‘Cidadão Kane’”, relata. Embora tenha atuado até 1985 e dirigido até 1974, não é de todo espantoso que a produção de estreia nos cinemas, lançada em 1941, siga como o estigma do diretor. O impacto da produção permanece até hoje: pela técnica apurada, a ousadia na narrativa e a maneira incisiva com que descasca um dos temas mais delicados para a sociedade norte-americana. Baseado na vida do milionário William Randolph Hearst, ‘Cidadão Kane’ custou caro a Welles, sempre incluído na lista dos melhores filmes de todos os tempos, mas também responsável pelo acirramento da briga do diretor com a indústria cinematográfica.
Conhecido pela rebeldia, Orson apareceu pela primeira vez para os holofotes numa transmissão radiofônica, ao simular uma invasão alienígena nos Estados Unidos a partir da leitura dramatizada de “A Guerra dos Mundos”, do escritor britânico H. G. Wells. Evidentemente acrescentou seu humor ao texto com pitadas de ironia. No Brasil, o “cineasta marginal” Rogério Sganzerla não se conformava com a tentativa frustrada de Welles filmar no país o documentário “É Tudo Verdade”, que procurava desmistificar uma imagem folclórica para o exterior, mas que desagradou a ditadura militar instaurada à época e teve o projeto abortado. A partir dessas impossibilidades, da falta e incapacidade brasileira no mundo do cinema, do social e da política, Sganzerla fundou sua obra. A trajetória de Roberto Marinho, dono da Rede Globo, também foi contada e censurada no Brasil, em documentário intitulado “Além do Cidadão Kane”, e que se referia à ligação de Marinho com os órgãos da ditadura militar.
A imagem robusta e opulenta de Orson Welles, a voz sombria e marcante, e o jamais escondido desejo de aparecer, também contribuíram para a criação do mito. Embora interpretasse papéis sempre parecidos, e os roteiros de suas direções não variassem muito, a verdade é que sobretudo a inovação dos ângulos de filmagem garantem às obras assinadas por Welles uma força que não se desgasta com o tempo. Daí o adjetivo “clássico”. O essencial a notar é que esses recursos servem para contar a história, e se valem, na maioria dos casos, para a figura humana, aproximada do espectador de uma maneira nunca antes revelada. Os sentimentos brotam porquê se confere ao olhar da personagem um panorama perturbador, instável, em consonância com a sensação, não o mero aspecto físico da materialidade. O alemão Rainer Werner Fassbinder é outro influenciado por essa maneira de contar a história.
No que concerne ao conteúdo, Orson se debruçou, em especial, à temática do poder e sua característica corruptível. O que esclarece em larga medida as dificuldades para financiar seus filmes. O certo é que, mesmo no fim da vida, obeso e apoiado em uma bengala, com um charuto na boca, o imenso Orson Welles não seu curvou para Hollywood.
Raphael Vidigal
Imagens: Arquivo.