Nomes fundamentais da cena: Cazuza, Júlio Barroso, Lobão e Zeca Neves
Perdido na selva desde que chegara a este planeta e sonhando com Jack Kerouac, o traficante da liberdade Júlio Barroso despencara de sua janela de beira para o céu até o azul infinito. Era um frio seis de julho de 1984. Nesse dia, o mundo inteiro era um trio de Absurdettes que choravam sua viagem.
Mas não esse mundo com o qual se está acostumado. Era um mundo beat, um mundo anárquico, um mundo onde se trafica poesia. Um ano antes, esse ser colorido que só usava branco e que enxergava além do universo com seus óculos fundo de garrafa perdida no mar com o pergaminho da dúvida fizera um movimento interessante através de uma tal de Gang 90.
Era o movimento da dança. Embora parecesse óbvio, em suas pernas era diferente. Uma esquisitice embriagante, meio Noite e Dia, meio Telefone. Dançando no limiar da dor entre a entrega e o sobressalto.
Mais do que as pernas, que ficavam muito por conta das curvas de suas Absurdettes que iniciavam o espetáculo despencando no palco, ele era a cabeça da Gang. E com aquela cabeça cheia de idéias, loucuras, poesia e revolução, despencou no palco da vida como despencavam suas comparsas no palco da mentira. Era tudo brincadeira, tudo lúdico, tudo mentira. E onde se está a verdade se não na mais deslavada das mentiras? Essa era a “música pra pular brasileira”, como ele bem definiu.
Já em sua derradeira despedida, cheirando o pó branco que se soltara de suas roupas, estavam Cazuza e Lobão, que naquele momento se viam órfãos de seu ente querido.
O poeta exagerado não imaginava que dali a exatamente seis anos e um dia seria a sua vez de partir. Do amigo que usava branco dos pés à cabeça ele herdara aquele andar despojado, aquela música despida, desbundada, longe dos engajamentos de esquerda da época de Gonzaguinha e Chico Buarque, que só mais tarde ele viria a incorporar em seu balançado com suas ideologias, burguesias e brasilidades.
Nesse trajeto, Cazuza continuou dançando, seguindo os passos do amigo e de sua Beth Balanço. Continuou sonhando, com os poetas beats disse que só as mães poderiam ser felizes. Aquela geração de esperança começara com uma perda, e terminaria com outra. Logo, o fantasma da doença que não ousa dizer o nome levaria silenciosamente milhares deles até o azul infinito. E lá eles ficariam, cantando suas canções, sonhando com seus ídolos, bebendo do branco das nuvens e fumando o amarelo do sol.
Cazuza era Logun Edé, era a cara do Brasil, a cara do deboche, uma mentira sincera dita por um anjo rebelde que beijava o sexo de homens e mulheres, e que depois de muito voar, voou mais do que longe até o azul infinito. Para se encontrar finalmente com o elo perdido. Júlio Barroso o esperava.
Era o final da década de 80. Encerrava-se nesse planeta material o ciclo daqueles que foram o cordão umbilical do rock brasileiro. E os heróis não morriam mais de overdose, mas de doenças e quedas.
Poema de Cazuza:
Fase
Depois que eu descobri que era triste
As tardes ficaram mais azuis
Eu descobri. Eu sou triste
Depois que eu levei porrada
Que os urubus se mostraram
Depois da ingenuidade
Entrei numa fase estranha
Não reviro cores
Não explodo a luz
Estou sentado esperando
Como os velhos palhaços do blues
O namorado que levou um bolo
Um garoto perdido dos pais
Raphael Vidigal
9 Comentários
AMO D+?…
eu amo cazuza!
Eu também amo Cazuza!!!
Queria tanto que ele ainda estivesse aqui, pra assistirmos seus shows…
Suas canções , eternas permanecem, e a saudade também…
Lindo texto!!!
Beijos, Raphael!
Obrigado a todos que comentaram! Cazuza merece! Voltem sempre. Beijos
Maravilhoso texto ! Cazuza foi e será sempre o cara!
Com certeza, Fernanda Medeiros! Obrigado pelo comentário. Volte sempre! Abraços,
saudades de sua natureza eufemistica!!!!!
Bom dia Rapha! Parabéns pelo blog cara! Através do mesmo pude conhecer uma letra fantástica do Cazuza. Valeu mesmo!
Excelente texto. Cazuza era demais, merece ser lembrado e citado sempre, faz parte da história da nossa música.