“As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.” Manuel Bandeira
Evolução da espécie
Agora eu entendo,
Quando olho no olho de um cachorro,
No compasso, na orelha, no rabinho abanando, na baba, na língua,
Toda aquela pureza,
De que você me falava e eu não via.
Agora eu entendo,
Que o cachorro é um bicho,
Sinto um troço, esquisito,
Pois sou bicho também,
Mas pareço um anfíbio.
Quando olho no olho de um cachorro,
Uma tosse, um espirro, um engasgo,
Tudo vira poesia
Quando se está de alergia
A catapora, a caxumba, o primeiro de maio,
Não importa, o bicho que te picou é um cachorro,
É um gato, um caminhão, um velocípede,
Pois é nessas horas que se constata uma gripe.
A vida não é matemática
Tampouco a vida é artística
A vida é flauta e goiaba
Talvez com um pouco de tinta
Pagou o pato
Injuriada está a aranha
Não o sapo,
Pois se um
Engoliu mosca
Na teia da outra
A tesoura passa
Repito
Injuriada está a aranha
Não o sapo,
Pois se na boca aberta a mosca cabe
Já não há banquete
Pra viúva ingrata.
docilidades
gosto de você
pra chuchu
não tenho culpa desse amor de framboesa
gosto de você
igual que nem pimenta
não tenho culpa desse amor de
cerejas
gosto de você além da conta
fora de medida
não tenho culpa se ao pular você me nasce na cerca.
Um futurista pernilongo
Voa do passado
E prevê
Muito sangue
Para si
E para os outros.
Poemas de Raphael Vidigal.
Ilustrações, feitas especialmente para essa coluna, por Cristiano Bistene.