Beijar é uma arte! 15 manifestações culturais sobre o beijo

“Profundezas de rubi não drenadas
Escondidas num beijo para ti;
Faz de conta que esta é um beija-flor
Que ainda há pouco me sugou.” Emily Dickinson

Compositor, produtor e instrumentista mineiro, Geraldo Vianna colocou em todas as plataformas digitais seu mais novo trabalho, “O Beijo – Um poema musical”, na última quinta-feira (13), data em que se comemora o Dia Internacional do Beijo. O álbum apresenta 14 faixas que refletem sobre o tema, algumas em parceria, como no caso de “O Beijo”, assinada com Fernando Brant. Além disso, uma obra do compositor erudito Robert Schumann ganhou letra de Murilo Antunes. “O beijo é um gesto, uma atitude que atravessa a história da humanidade e representa momentos importantes em nossa vida, nos conduzindo a várias experiências e sentimentos. Desde o carinho, o respeito e a sensualidade, até o beijo histórico que induz à traição. Além de tudo isso ele nos dá várias formas de prazer”, infere Geraldo. O disco, que sofreu “influências literárias de Florbela Espanca, Castro Alves e García Lorca”, vai ser apresentado em show ainda no primeiro semestre deste ano, mas não tem previsão de ser lançado em edição física. Vianna define o trabalho como “uma declaração de que a música mora no meu coração”.

Beijo de Rodin (1889) – Auguste Rodin
Escultura em mármore finalizada por Auguste Rodin em 1889, assim como outras obras do artista francês, reaparece como bronze em “A Porta do Inferno”, próxima ao “O Pensador”, sua realização mais conhecida. O idílio amoroso reproduzido na imagem teria sido inspirado pelo atribulado romance real vivido por Rodin com a também escultora Camille Claudel. Apesar disso, o escultor afirmava tratar-se do casal Francesca e Paolo, retratado na obra do poeta italiano Dante Alighieri.

O beijo de Klimt (1907) – Gustav Klimt
Pintura mais conhecida de Gustav Klimt, devido ao seu elevado número de reproduções, ela data de 1907. Associado ao simbolismo na pintura, o austríaco recebeu influências da arte decorativa e foi um dos fundadores do movimento conhecido como Secessão de Viena, que recusava a tradição acadêmica nas artes. Na obra em questão, as principais características de sua pintura se destacam, marcada por uma forte ostentação das formas e das cores, em especial o dourado, além da evocação erótica.

Ai, ioiô [Linda Flor] (1929) – Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto
“Eu nasci pra sofrer”, é assim que a moça simples da canção começa a cantar a música que apela a seu homem que tenha pena dela, que a leve para casa e não a deixe nunca mais. É um gesto singelo que revela toda a necessidade daquele amor, daquele homem que a deixa protegida, segura. Que ele segure suas mãos e não as solte nunca mais, como aquele beijo de amor não se soltará nunca de sua boca. É um apelo à eternidade, para que aquele momento dure mais que a beleza da linda flor. Mais que os carinhos de seu ioiô. “Nos beijos de amor que eu te dei…”. Foi lançada por Araci Cortes no ano de 1929.

O beijo de Alfred Eisenstaedt (1945)
Fotógrafo da revista norte-americana Life, Alfred Eisenstaedt registrou a imagem que se tornaria símbolo do fim da Segunda Guerra Mundial, no dia 14 de agosto de 1945. O que ninguém sabia na época é que o casal apaixonado formado por um marinheiro e uma enfermeira nunca tinha se visto antes, e que a espontaneidade da cena havia sido previamente preparada pelo próprio fotógrafo. Mesmo com o fim do mito, a imagem permanece icônica até hoje.

Que será? (1950) – Marino Pinto e Mário Rosi
Dona de uma das vozes que mais sofreu por amor nesse país, Dalva de Oliveira se vê completamente perdida quando enxerga a possibilidade de perder os beijos, os abraços e o calor de seu homem. Vê-se completamente perdida quando o vê indo embora, deixando vazio o lar que construíram juntos. Dalva é a mulher dependente do amor. E implora para que ele volte dessa vez sem o ciúme que tanto os marcou. É um apelo para que seu amor não a deixe. “Que será?/ Da minha vida sem o seu amor/ Da minha boca sem os beijos teus…”.

Ocultei (1954) – Ary Barroso
“Ocultei” conta a história da mulher abandonada, largada, trocada por outra. A mulher que se vê posta de lado, desprezada, e que relembra com angústia e decepção o passado feliz que viveu. O passado que se transformou em desejo de vingança e agressão. É um apelo para que seu antigo amor pague por todo mal que lhe fez, provando do beijo o seu gosto de morte, o veneno que lançou contra ela e definiu sua sorte. É um apelo para que ela não seja a única a sofrer nessa história, que seu amor pereça, pois já não quer mais seu bem. Foi gravada por Elizeth Cardoso, Núbia Lafayette, Emílio Santiago e Rosa Passos.

Meu Primeiro Beijo (1959) – Mário Zan e Cláudio Barros
Nascidas em Sacramento, interior de Minas Gerais, Diva e Geisa começaram a carreira na rádio de Uberaba. Ao mudar-se para São Paulo ficaram conhecidas como “Irmãs Celeste”, onde gravaram, em 1957, o primeiro LP, com a canção “Cantando”, de Mário Zan e Arlindo Pinto, e o rasqueado “O Trem Apitou”, da mesma dupla. Conhecidas pela afinação das vozes, elas fizeram sucesso com outro rasqueado, “Meu Primeiro Beijo”, de Zan e Cláudio Barros, em 1959.

O beijo no asfalto (1961) – Nelson Rodrigues
Peça de teatro escrita por Nelson Rodrigues e encenada pela primeira vez em 1961, pelo Teatro dos Sete, com Fernanda Montenegro, Sérgio Britto e Ítalo Rossi. A peça causou polêmica ao abordar o relacionamento homossexual entre dois homens, e foi levada ao cinema em duas ocasiões, a primeira em 1964, com Jorge Dória e Reginaldo Faria, e a segunda em 1981 com Ney Latorraca e Tarcísio Meira. O foco do dramaturgo, como de costume, era na classe média brasileira.

Meu nome é ninguém (1962) – Haroldo Barbosa e Luiz Reis
Outra grande canção da parceria Haroldo Barbosa e Luiz Reis gravada por Miltinho foi o samba “Meu nome é ninguém”, lançado pelo cantor em 1962. “Foi assim, a lâmpada apagou, a vista escureceu, um beijo então se deu”. Os sintomáticos versos iniciais da canção prenunciam o clima romântico e de conquista, mas surpreende por seu gran finale trágico, encerrando o caso sem mais delongas: “meu nome é ninguém, e o seu nome também… ninguém”.

Pai e Mãe (1975) – Gilberto Gil
Música de Gilberto Gil lançada no disco “Refazenda”, de 1975, e regravada por Ney Matogrosso em 2006. A canção alude ao beijo carinhoso dado pelo filho ao pai e a diferença de afeto permitido à figura da mãe, para combater preconceitos ainda hoje latentes na sociedade. A leitura homossexual também foi reforçada na interpretação de Ney, ao escandir os versos que dizem: “Eu passei muito tempo aprendendo a beijar outros homens como beijo o meu pai”.

O Beijo da Mulher-Aranha (1976) – Manuel Puig
Segundo romance escrito pelo argentino Manuel Puig, em 1976, ganhou notoriedade no Brasil ao ser adaptado para o cinema pelo também argentino Héctor Babenco, em 1985. A produção apresenta um elenco diversificado, com a brasileira Sônia Braga, o porto-riquenho Raul Júlia e o norte-americano William Hurt como protagonistas. A obra, levada ao teatro pelo próprio Puig em formato musical, aborda, a partir de recursos do chamado realismo fantástico, as mazelas geradas por um regime político opressor.

Ele me deu um beijo na boca (1982) – Caetano Veloso
A década de 1980 foi sim pródiga em abordar o tema da diversidade sexual, já que o embate com os militares da ditadura no país estava no final, e Caetano Veloso, sempre antenado com sua tropicália, também surfou na onda. Apesar de exibir uma imagem híbrida desde o início de seu aparecimento no cenário nacional foi em 1982, no disco “Cores, Nomes”, que Caetano lançou uma das músicas mais explícitas referentes ao tema; claro à sua maneira. Sem abandonar o mundo de interferências a que alguns consideravam hermetismo em suas canções, o músico já dava seu recado logo no título. “Ele me deu um beijo na boca” acompanhava o discurso endossado pela foto da contracapa do álbum, em que Veloso aparece beijando um homem. Mais uma excelente contribuição de um dos artistas que mais exaltaram as liberdades individuais no país. João Donato, Djavan e Rolling Stones são alguns dos citados na música.

Beijo na boca, não! (2003) – Alain Resnais
Comédia musical do cineasta francês Alain Resnais, lançada em 2003, a película apresenta as habituais inovações estéticas do realizador aliadas a um humor ao mesmo tempo leve e crítico. O beijo entra como questão decisiva na hora de avaliar as relações humanas estabelecidas dentro da alta sociedade francesa, sem dispensar uma dose considerável de ironias e sarcasmos. Intérpretes-fetiche de Resnais como Sabine Azéma e Pierre Arditi novamente marcam presença.

Beijo Mesmo (2018) – Aline Calixto e Juliano Butz
A partir de 2009, a renovação da folia na capital mineira veio no embalo da criação de diversos blocos feministas, como Sagrada Profana e Bruta Flor. “Beijo Mesmo”, a nova marchinha criada por Aline Calixto, que desde 2014 comanda o Bloco da Calixto, preza, justamente, pelo exercício da liberdade longe da violência e intolerância. “Podemos beijar quem quiser, mas sem forçar, respeitando o outro. A marchinha é sobre isso, é um gênero que permite a crítica e falar de amor”, avalia Aline.

O beijo de Banksy
Pseudônio de artista que prefere não revelar sua verdadeira identidade, Banksy ganhou notoriedade com seus grafittis que contestam costumes pelas ruas de Bristol e Londres, na Inglaterra. Dentre elas, a que apresenta dois policias se beijando ganhou relevância não apenas pelas qualidades estéticas de seu trabalho, como principalmente pela afronta à homofobia que representou. Mais tarde, a obra foi leiloada pelo valor de 418 mil euros no formato de um quadro.

Entrevista: Geraldo Vianna lança trabalho baseado no gesto do beijo

1 – Como surgiu a ideia desse projeto e quais são as músicas do repertório? São todas de sua autoria?
O beijo é um gesto, uma atitude que atravessa a história da humanidade e representa momentos importantes em nossa vida, nos conduzindo a várias experiências e sentimentos. Desde o carinho, o respeito e a sensualidade, até o beijo histórico que induz à traição. Além de tudo isso ele nos dá prazer. Várias formas de prazer. O beijo no pai, na mãe, no filho… E o inverso, quando somos beijados. Isso tudo me influenciou. Procurei relatos, textos, poemas e observei beijos e abraços enamorados nas praças e bares da cidade. Fui percebendo a importância do beijo no dia a dia de todos nós. Desde o beijo furtivo até o beijo formal dos cumprimentos. Tudo isso me conduziu àquilo que faço a vida toda. Música.

As músicas foram desenvolvidas a partir de um retrocesso que resolvi fazer em minha vida artística, mostrando as várias etapas vividas, por mim, no plano pessoal e artístico. Vivência e aprendizado. Cada música representa uma etapa de estudo e conhecimento, tanto musical, quanto pessoal. Então começo com o momento atual, com alguma pitada de experimentalismo na música “Linha do Tempo” e inicio uma caminhada rumo ao passado, passando por “Noite Adentro”, “Falso Chorinho”, e outras. Tudo entremeado por poemas que situam o beijo em minha vida. No final, a confirmação da importância desse gesto em minha vida. Termino com a música “O Beijo”, última parceria minha com Fernando Brant.

2 – Quem foram os seus parceiros nessa caminhada?
Além do Fernando (Brant) que, em princípio, faria todas as músicas comigo, iniciativa descartada após sua morte, eu tenho parcerias com o jornalista, escritor e crítico de música norte-americano, James Gavin (“The Kiss That Used Be”), o Frei Agostiniano Paulo Gabriel López Blanco (“El Beso”) e uma música de Robert Schumann que sugeri que Murilo Antunes colocasse a letra (“Nada Igual ao Beijo Teu”). Essa música, inclusive, é um dos pontos fortes do trabalho. Depois de ouvi-la o Murilo me ligou e, brincalhão, me disse: “Não sabia que Schumann era de Diamantina…”. Nos divertimos muito com isso.

3 – Sentiu influências de outras áreas artísticas ou músicas que mencionem o beijo durante o processo?
Principalmente da literatura e da poesia. Fiz grandes descobertas nessa pesquisa.

4 – O que foi mais importante para você na composição desse álbum?
O descompromisso com a linguagem, já que a ideia era retratar fases diferentes de minha vida artística. Não havia um compromisso formal ou estilístico. Foi mais uma lembrança e rememoração do que vivi. Claro que com o foco atual. Mas divertido. Talvez um recreio, um intervalo na vida musical.

5 – É um disco que procura transmitir qual mensagem?
Sempre fui otimista e observador da vida. Gosto de tudo que faço, amo as pessoas à minha volta e me realizo na música. As tristezas, desapontamentos e incertezas eu sempre guardei a sete chaves. Então “O Beijo” é uma declaração de que a música está em meu coração. Que, com ela, quero viver a paz, o amor, a sinceridade. Para mim, o beijo está relacionado a tudo isso. Pode demonstrar verdade, falsidade e prazer. Espero que as pessoas tirem suas conclusões e, elas mesmas, possam me dizer o que eu consegui transmitir com esse beijo musical.

6 – Há previsão de shows e lançamento em plataformas físicas como CD e DVD?
O show acontecerá ainda no primeiro semestre de 2017. Quanto ao lançamento em mídia física, ainda tenho dúvidas. Estou estudando essa possibilidade.

7 – Como a poesia e a performance entraram no trabalho?
Quando iniciei o estudo específico sobre o beijo, li muito Junqueira Freire, Castro Alves e (García) Lorca, entre muitos outros. A minha percepção, depois de algum tempo, é que poesia é vida. E vida, para ser bem vivida, tem que ter poesia. Ela pode existir em tudo que fazemos no dia a dia. Serve de alimento para a alma na alegria, na tristeza, no amor… Para mim, olhar a vida com poesia já é um exercício que nos conduz a um plano superior. Percebi também que assumimos uma postura mais poética ao relembrar a poesia de alguns momentos da vida. Depois de assistir ao filme “Os Vivos e os Mortos” de John Huston, resolvi que a sonoridade das palavras bem ditas e sentidas têm uma musicalidade que valoriza a performance musical em todos os sentidos. A partir daí decidi que, nesse trabalho, a música, a poesia e a performance instrumental teriam que interagir e se completarem.

8 – O disco é apenas instrumental?
Não. É uma fusão do instrumental com a poesia, o canto e a experimentação, além da variedade de timbres e ritmos.

9 – Qual a importância do beijo na sua vida pessoal e desse símbolo de afetividade no desenvolvimento de uma carreira artística, ligada à sensibilidade?
O beijo define nosso estado de espírito, nosso sentimento momentâneo. Traduz paz, amor de pai, de mãe, de filho… pode ser falso também. A música, enquanto em fase de composição, traz em seu desenvolvimento todos os sentimentos possíveis do beijo. O artista que opta pela carreira como filosofia de vida, beija sua obra de todas as formas. Ama, se apaixona, duvida, acaricia, pune e, finalmente a assume. Ou não. Trata tudo o que faz com rigor, crítica e sensibilidade. O mesmo acontece na vida amorosa, nas relações de amizade…

10 – Se lembra do seu primeiro beijo?
Me lembro de dois primeiros beijos. O primeiro, tímido e inseguro. Talvez o mais sincero, porém desprovido de paixão, do sentimento que faz o corpo todo vibrar. O segundo, mais intenso, envolvendo o corpo todo, fazendo a alma alcançar sua mais intensa vibração. Aquele que dá calafrios e nos leva à percepção do amor em sua forma original. Da união do corpo e da alma.

11 – Como avalia o atual cenário da música brasileira e como esse disco se inscreve nele?
O cenário da música está desmontado. Teremos que, primeiro, criar um bom roteiro do que chamamos de cultura, para depois voltarmos à montagem da história na música brasileira. Há um cenário que não traduz a verdadeira música brasileira. Invadido por tendências puramente mercadológicas, que sufocam nossos verdadeiros valores artísticos e sociais. Esse meu novo trabalho não tem pretensão alguma, além de ser o registro de uma verdade vivida desde os sete anos de idade. Quarenta e sete anos de música, vinte e quatro horas por dia.

12 – O quanto as plataformas digitais alteraram esse cenário e qual é a importância de compor um álbum hoje do ponto de vista conceitual, com número de faixas em determinada ordem, projeto gráfico, etc.?
Vivemos um novo momento na história da música. Viemos dos menestréis que levavam suas músicas de um lado ao outro, passamos pelos mecenas que contribuíram muito para que a música se perpetuasse… Vivemos a era das edições de partituras, depois a fase dos discos de 78 RPM, LP’s e CD’s. Agora, novos desafios nos levam à busca de novos caminhos. Desmancharam o caráter natural dos projetos no sentido da unidade, da perseverança e da experiência prévia como quesito para se propor ideias, inovações e novos caminhos. Por outro lado, houve uma democratização do acesso à música e, passo a passo, estamos caminhando para uma organização na forma de se consumir música, com responsabilidade e respeito ao autor e intérprete. As plataformas digitais têm uma grande responsabilidade pela frente e já se mobilizam para se organizarem e prestarem melhores serviços. Como disse, eu sou otimista. O caminho nos será mostrado pela nossa necessidade de seguir fazendo música.

Raphael Vidigal

Fotos: Divulgação; e Mary Lane Vaz, respectivamente.

Publicada no jornal O Tempo em 16/04/2017.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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