“Há que voar a cada instante como
as águias, as moscas e os dias,
há que vencer os olhos de Saturno
e estabelecer ali novos sinos.” Pablo Neruda
Na beira do mar, Badi Assad, 52, sente a “brisa a acariciar o seu corpo” e sequer precisa sair de casa. A compositora paulista conta que é “transportada” para esse ambiente toda vez que escuta “Tarde em Itapoã”, um dos clássicos do conterrâneo Toquinho, 73, em parceria com Vinicius de Moraes. Apesar de nascidos no mesmo Estado, a diferença de gerações adiou o encontro entre eles, que finalmente se apresentam juntos em Belo Horizonte pela primeira vez. Mas a intimidade de Badi com a obra de Toquinho data de um tempo anterior.
1 – Quando foi que você tomou conhecimento da música do Toquinho pela primeira vez?
Como muitos brasileiros, o conheci através de ‘Aquarela’. Na época, eu tinha começado a tocar violão e achei incrível um cantor tocar violão daquele jeito enquanto cantava. Eu estava com 14 ou 15 anos mais ou menos, e com certeza ele plantou esta semente de possibilidades em meu jovem coração.
2 – Como foi que vocês se conheceram pessoalmente e quais lembranças guarda desse momento?
Apesar de conhecê-lo desde muito jovem, levaram anos para que eu o conhecesse pessoalmente e isto aconteceu em uma apresentação que fiz em um espaço chamado Araguari, na capital paulista. Ainda no camarim, me avisaram que ele tinha vindo me assistir e, para minha surpresa, quando entrei no palco ele havia se sentado bem na cara do palco. Mas, acreditem, ao invés de me intimidar, me inspirei. Pouquíssimo tempo depois, ele me convidou para participar de um show seu e depois desta primeira vez muitos outros convites ocorreram, inclusive para excursionar como sua convidada pela Itália, experiência que trago carinhosamente na memória, por entre minhas tantas outras andanças pelo mundo.
3 – O repertório é recheado de parcerias de Toquinho com autores célebres, como Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Paulinho da Viola. Qual dessas músicas mais te toca e por quê?
Muitas de suas músicas são imbuídas de uma atmosfera contagiante. Ouvir ‘Tarde em Itapoã’ e não se transportar para a beira do mar com sua brisa a acariciar o corpo é algo praticamente impossível. Ou quando ouvimos ‘Que Maravilha’ e imaginamos aquela mulher vestida de branco, também improvável não nos apaixonarmos um pouco. São muitas canções para escolher a que mais me toque. Essas que citei são algumas, porém, existem outras. Como não marear os olhos com ‘Caderno’? Ou não se inspirar com ‘O Velho e a Flor’?
4 – Qual a principal diferença entre interpretar uma canção sua e de outra pessoa?
Ah… Quando canto, no momento em que as canto, todas passam a ser um pouco minhas também.
5 – O que pensa sobre o momento político do país e a soltura do ex-presidente Lula?
Caótico e humanamente despreparado. Esse assunto dá muito pano para manga, e com muitos caroços atravessados. O movimento, não apenas no Brasil, mas de uma forma geral no mundo, não está somente polarizado entre partidos de direita ou esquerda, o movimento está entre a lucidez e a insanidade geral, por todos os lados. A corrida ao poder e seus derivados como ganância, ‘salve-se quem puder’, ‘o meu vale mais do que o seu’, ‘você tem menos direitos do que o outro’, ‘tudo por dinheiro’ e etc. são uma intolerância analfabeta quanto aos direitos belos e igualitários de todos, simplesmente por estarmos vivos. O que é senão uma jornada de beleza esta que poderia ser a de todos nós? Mas, ao invés disso, o funil vai se apertando cada vez mais, com os mais economicamente empoderados distanciando-se dos outros que mal chegam ao final do dia, sem fazer sentido algum todo aquele acúmulo. A prisão de Lula foi feita às pressas para tirá-lo da reta, todos sabemos disto. Quando da sua soltura, nada mais do que o correto a ser feito, afinal, basta ter um pouco de curiosidade para entender que o que corre por trás de todas as tramas, é um buraco muito mais profundo daquele que se apresenta na superfície, invadida de discursos escusos que até eu, um pouco distante para minha sanidade pessoal, confesso, consigo perceber.
6 – A quantas anda o projeto de lançamento do CD “Volta ao Mundo em 80 Dias”?
A passos um pouco mais lentos do que eu gostaria. Explico: neste ano fui convidada para participar de um projeto muito grande do SESC Nacional, o Sonora Brasil, onde, ao lado de Regina Machado e Lucina, excursionaremos por 100 cidades brasileiras de todas as regiões. Com isto, não tenho tido muito tempo para me dedicar, como se deve, a um lançamento e todas as suas necessidades envolvidas. Portanto, e para não fazer sem o cuidado necessário, decidi não apressar o processo e vou lançá-lo no primeiro semestre de 2020. O CD já está prontinho, em formato solo, gravado no estúdio do baterista de Bonnie Raitt, Ricky Fataar, na Califórnia e mixado na YB, em São Paulo. Aguardem!
Raphael Vidigal
Fotos: Edu Pimenta/Divulgação