“A violência das cores, no primeiro momento, assusta-nos. Depois, as tonalidades se amaciam, as nossas pupilas absorvem os raios…” Murilo Rubião
Olhou a primeira vez uma tangerina. Não sabia distingui-la de laranja ou mexerica. Nem tocou-a, mas um áspero farfalhar dos gomos, entupidos de polpa fresca, igualara-se à lembrança de folhas quebráveis como um galho seco.
O suco não aparente era saboreado em oposição ao som da fruta maciça. Dentro dela um mundo desconhecido, repleto de sonhos e conjecturas improváveis. Poderia brotar um dente, uma boca, ou orelha.
Talvez a cor fosse menos assombrosa que os sombrios gostos imaginados. Além de doce, salgado, amarelo, amargo, líquido ou inflamável. Gostos embaçados, opressivos e estafantes.
Comer o material já se assentira em suas faces, nas bochechas grossas, os maxilares fortes. A inibição fugia da cautela, era antes omisso, devido à inalcançável distância entre a presença inegável e a calma que se esparsara. Agora não dentro, fora.
Um ecumênico ritual começou por distanciá-lo dos outros, a ousadia e ansiedade do faminto incauto o angustiava, não permitia chegar até lá. Era uma busca fugitiva, esquecera-se da conformação de gestos, plantas, seres, manhas, impressionantes sóis e condescendentes bustos.
Encabulado, voltou-se para adiante. No começo queria matar a arte. Aquela reconhecível, exausta. Ao fim, encerrou a última tela suicidando, incapacitado de concluir o quadro, a moldura, a vida a escapar das castas formas e explodi-las em cores, cinzas, tons, rosas.
Mark Rothko, o russo americano. Atribulado escultor dos ensaios humanos.
Raphael Vidigal
Pinturas: “Número 5 / Número 22” e “Vermelho vivo sobre castanho”, de Mark Rothko.
3 Comentários
Mark Rothko, com sua intelectualidade sempre usando seus tons “análogos” que fez com que se diferenciasse de muitos expressionistas abstratos. Gosto muito do trabalho dele! Sua simplicidade me encanta.
“Vermelho Vivo sobre castanho” Laranja ou mexerica? **Mark Rothko
Muito legal sua página “Esquina Musical”