Arrigo Barnabé: ‘Todos os reacionários que estavam no armário apareceram’

*por Raphael Vidigal

“mas more no meu momento desmande meu mandamento e não fie desafie e não confie desfie” Haroldo de Campos

Da plateia, Arrigo Barnabé se impressionou com a performance de Itamar Assumpção (1949-2003) no palco, que interpretava Tiradentes em uma peça idealizada a partir da histórica “Arena Conta Zumbi”, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. Companheiro de Vanguarda Paulista, Arrigo foi o artista mais próximo de Itamar. Os dois chegaram a morar juntos por mais de dois anos em São Paulo, depois de se conhecerem em Londrina, terra natal de Arrigo. “Conheci o Itamar e o convidei a vir para São Paulo, consegui uma república aqui para ele ficar. O Itamar queria ser jogador de futebol e foi para o Santos, só que o Pelé ainda jogava naquela época e ele logo desistiu, falou que não tinha condição”, diverte-se Arrigo.

Sorte da música brasileira, que, com a presença de Itamar, viu nascer, a partir dos anos 80, a chamada Vanguarda Paulista, responsável por inserir um novo tipo de som no cardápio, baseado no experimentalismo. “Eu não sei qual é a principal contribuição do Itamar para a música brasileira, todas foram importantes e principais contribuições”, destaca Arrigo. Em 1975, eles compuseram a música “Tô Tenso”, ao lado de Paulo Barnabé, e, mais tarde, gravaram em dueto “Já Deu pra Sentir”, que, ao lado de “Noite Torta”, Arrigo considera “o auge de Itamar na composição”. “As duas são muito bem-resolvidas em termos de letra e canção”, elogia. Itamar também tocou e participou de arranjos do disco “Clara Crocodilo” (1980), disco de estreia de Arrigo, um marco para a Vanguarda Paulista.

Homenagens. Em 2018, Arrigo montou com o irmão Paulo Barnabé e Denise Assumpção, irmã de Itamar, um musical sobre a banda Navalha, mantida por eles com Itamar nos anos 70. “Ele é um cara que faz muita falta”, lamenta Arrigo, que, em 2007, compôs uma missa para Itamar. “O senso de humor dele era agudo. O Itamar fazia imitações das pessoas, como se fossem caricaturas”, recorda. Em 2011, Arrigo estreou nos palcos “Caixa de Ódio”, espetáculo dedicado a Lupicínio Rodrigues que teve como inspiração a homenagem de Itamar a Ataulfo Alves, feita em 1996.

“Na mesma hora, eu pensei em fazer uma coisa parecida e até comentei com o Itamar que, no meu caso, seria uma homenagem ao Lupicínio”, recorda Arrigo. Ao interpretar a clássica “Esses Moços”, Arrigo se valia de uma ironia e mudava os versos para: “saiba que deixam o PT por ser escuro e vão ao PSOL em busca de luz”. “Agora não dá pra fazer brincadeira nenhuma. A gente não imaginava que fosse acontecer uma coisa impensável dessas, é inacreditável, uma coisa de louco, me pergunto como chegamos a esse ponto”, declara Arrigo, em referência às últimas eleições presidenciais, quando Jair Bolsonaro saiu vencedor.

Incompetência. “Eu fiquei com mais medo agora, porque a incompetência está muito escancarada, talvez ela não prevaleça”, arrisca. Na opinião do compositor, “todos os reacionários que estavam no armário apareceram juntos e unidos ao mesmo tempo”. “As pessoas agiam como se o reacionarismo tivesse acabado com o fim da ditadura. Elas não quiseram enxergar que ele ainda existia. Eu ficava desconfiado com toda essa liberdade, achava que tinha alguma coisa estranha”, diz.

“Eu pensava: ‘sei que existe gente reacionária, mas ninguém fala nada. Será que acabou a ditadura e também o apoio que existia a ela por parte da população?’. A ascensão dos evangélicos, principalmente dos neopentecostais e de algumas seitas e segmentos extremamente mobilizados contribuiu para isso que vemos hoje”, observa Arrigo, que indica “ouvir um sociólogo” para tentar entender o Brasil atual.

Foto: Gal Oppido/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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