“vento/que é vento/fica
parede/parede/passa
meu ritmo/bate no vento/e se
des pe da ça” Paulo Leminski
Naná Vasconcelos foi um tipo raro na música brasileira. Não era pra qualquer um, e misturava, em seu caldo, todos os gostos, ciente da abordagem popular que sempre o caracterizou. Natural do Recife teve em seus primeiros anos as influências de Jimi Hendrix e Villa-Lobos, tão díspares quanto complementares para o estilo harmônico que criou. O percussionista, que brincou e reinventou tons e modalidades para diversos instrumentos, mas, sobretudo, o berimbau, tão caro e essencial aos nativos indígenas e povos africanos que aqui chegaram quanto da ocupação do país pelos portugueses, já era uma figura de destaque mundo afora, por diversas turnês que empreendeu pela Europa e América do Norte, fosse acompanhando as bandas de Gilberto Gil, Milton Nascimento e outros, ou como artista principal; quando gravou, com Jards Macalé, em 1994, uma espetacular jam session feita em uma tomada só, batizada, como o disco, de “Let´s Play That”, um marco de irreverência que deixa ainda mais claro o caráter inventivo e libertário da obra de Naná.
Por isso se torna tão difícil traçar um paralelo do autor de peças como “Amazonas”, “Áfricadeus”, “Dança das Cabeças” e “Batuque nas Águas” para com seus pares ou mesmo os que vieram antes. Referência para músicos do porte de Egberto Gismonti e admirado por B. B. King e Paul Simon, com quem tocou junto, Naná, que colecionou prêmios, aclamações e também compôs trilhas sonoras durante a trajetória, era uma porção de sons e palavras remodeladas, mais um escultor do que um arquiteto, cujo sentido estético impregna todas as canções, tomadas, ainda assim, por conteúdos de consistência e massa. Marcada por motivos sociais, mas, em especial, buscando uma integração harmônica e respeitosa do homem com a natureza, sobressai na música de Naná a questão da origem. Se a origem do homem estava em ser bicho do mato e não de asfalto, e a do percussionista vinha dos ancestrais africanos o seu legado é um exemplo pronto, acabado, perfeito, de consciência e coerência, e, justamente por isso, aberta a milhares de mundos.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Divulgação.