Análise: Canto marcado de Belchior definiu gerações

Belchior é autor de "Como nossos pais"

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Eis uns poucos exemplos/de ser a palo seco,
dos quais se retirar/higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco/por resignadamente,
mas de empregar o seco/porque é mais contundente.” João Cabral de Melo Neto

Quando gravou o seu primeiro LP, em 1974, o Brasil vivia, há dez anos, sob o pleno domínio da tenebrosa ditadura militar que assolou o país até 1985. Para a música de Belchior esse contexto era imponderável. Nascido no interior cearense, as agruras de uma pobreza social uniam-se à violência estabelecida pela política em suas crônicas, cujas letras eram transformadas em música com o auxílio do violão. Todavia, o caráter altamente narrativo e a maneira marcada de se expressar – com forte referência do canto falado de Bob Dylan e da dicção pausada da carioca Nora Ney, sucesso absoluto na “Era de Ouro” do rádio – deram às canções de Belchior, especialmente quando interpretadas por ele, uma característica muito diferente de tudo o que se fazia na sua época. A palavra, ali, se posicionava antes da melodia, e sobressaltava a ela sem nenhuma culpa. Tanto que ainda hoje é possível recitá-las como um manifesto.

E é o que de fato eram. Ao marcar em suas canções um ponto de vista panorâmico e, ao mesmo tempo, muito preciso de várias das imbricações momentâneas a que sua geração estava afeita, Belchior conseguiu definir também os sentimentos dos que vieram antes e daqueles que viriam depois, já que sua “tragédia de costumes” mirava a história para entender o presente sem se contaminar por um engajamento simples. Afinal persiste a sofisticação no entendimento da angústia, aquela que transcende a opressão do cotidiano e alça voo para a existência. Se muitos foram os que o regravaram, poucos captaram essa conotação como Elis Regina, capaz de nacionalizar a envolvente “Como nossos pais”, ainda que vertebrada numa sinuosa narrativa. No entanto, é provavelmente pela associação muito íntima da criação com o intérprete que Belchior é desses casos de compositor que melhor canta as dores que partilha.

Músico apareceu na década de 70

Fotos: Arquivo e Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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