*por Raphael Vidigal
“apagar-me/ diluir-me/ desmanchar-me
até que depois/ de mim/ de nós
de tudo/ não reste mais/ que o charme” Paulo Leminski
Torcedora ilustre do Fluminense, figurante em “Confissões de Adolescente”, ela nunca se inscreveu no Big Brother Brasil. Por essas características – como numa dinâmica de “pegadinha” – seria difícil adivinhar que se trata de Ana Clara Lima, a nova queridinha das tardes e madrugadas globais, que conquistou o público brasileiro com sua maneira cativante e descontraída de apresentação. Ana Clara, de recém completados 24 anos, reúne duas qualidades raras, que chamaram a atenção até do chefe: a capacidade de ser incisiva sem abrir mão do respeito e da elegância. “Ai, tomara que eu esteja no auge da minha carreira profissional sempre. Eu acho que a gente, conforme vai crescendo e evoluindo, sempre é o auge, né?”, sugere, com o marcado acento carioca cheio de charme.
Com um currículo que contempla jornalismo, teatro, cinema, marketing e maquiagem, Ana não atendeu às expectativas que a educação formal brasileira exige, e acabou reprovada na sétima série, reforçando a tese do escritor Rubem Alves de que a grade curricular reprime a natural curiosidade da criança e do adolescente. Hoje, ela se orgulha da amizade com a escritora Thalita Rebouças, colega de Globo. A inquietação, aliás, sempre foi uma constante na vida de Ana, que, segundo consta, continua falante e ávida por novidades. Coube a ela a difícil tarefa de ser a primeira a entrevistar os participantes logo após a saída do Big Brother Brasil21, que bateu recordes de rejeições com as eliminações de Karol Conká, Nego Di e Viih Tube, todas com percentuais acima dos anteriores 95%.
Proteção. “Bom, a gente tem um roteiro, né? Tem uma linha de raciocínio que a gente segue, principalmente para proteger os participantes. Eu sempre penso isso, eu sempre quero protegê-los de qualquer eventual humilhação, de qualquer coisa que eles possam se arrepender. Eu não quero entrevistar uma pessoa que está desconfortável, que está constrangida. Nunca vou levar as pessoas para esse lugar. Esse é um critério que eu uso para as perguntas”, afirma. Ao longo da temporada, Ana Clara teve que lidar com questionamentos de parcela do público que queria ver o circo pegando fogo. A participante Sarah, por exemplo, não foi confrontada com relação às declarações de desdém dadas durante o programa sobre a pandemia do novo coronavírus, o que levou o apresentador Tiago Leifert a fazer um pronunciamento ao vivo sobre a gravidade da situação.
No caso de Viih Tube, a crítica ultrapassou o campo da opinião e chegou à distorção, o que irritou Ana, que, numa atitude inédita, resolveu responder no Instagram às insinuações de que teria sido grossa com a youtuber, o que, de fato, não ocorreu. Os eventuais atritos, no entanto, não chegam perto dos momentos de êxtase que Ana protagonizou no comando do “Bate-Papo BBB” ao lado de Rhudson e de outros convidados, como Dani Calabresa, Giovanna Lancellotti, Emílio Dantas e Fabiula Nascimento. Quando a atração relembrou o episódio em que Pocah, vestida de samambaia, reclama dos “pentelhos” deixados no vaso sanitário, Ana não conseguiu conter o riso diante dos comentários, por assim dizer, confidentes de Rhudson. Este, por sinal, está entre os memes favoritos da apresentadora, ao lado de outros que a divertem sempre.
Risadas. “As figurinhas da Kerline e do Projota chorando. O gif da Karol Conká com a língua de chicote”, cita. Quando Rodolffo foi ao programa, ela se esbaldou ao rever a discussão em que Caio reclama que está sempre errado, ao que o sertanejo rebate: “Agora, por exemplo, você está errado”. A presença de Gilberto também não deu respiro para Ana, que em raríssimos instantes conseguiu parar de rir. No dia seguinte, ele abriu o “Plantão BBB” afirmando que havia roubado o lugar da apresentadora. Claro que Ana não deixaria o lugar ao sol assim tão fácil. Na continuidade da brincadeira, ela e Gil do Vigor dançaram o “tcháki tcháki” juntos, para delírio da população brasileira que adora uma “cachorrada”.
A conquista do programa próprio foi uma das mais gratificantes na trajetória da entrevistada, que, antes disso, participou de coberturas do Rock in Rio, Lollapalooza, “The Voice Brasil”, “Criança Esperança” e foi repórter do “Vídeo Show”. “Eu estou muito, muito, muito feliz e grata, é um momento especial, foi uma surpresa boa e uma das notícias mais incríveis que já recebi na vida”, celebra Ana, que não se contenta em ler o teleprompter, muito pelo contrário. “Sugiro, indico convidados, participo nos quadros, dou pitaco nos VTs, dou pitaco no roteiro, eu me meto em tudo na verdade”, diverte-se. A primeira dica de que a promoção estava prestes a acontecer veio quando o próprio Boninho, diretor da Globo e chefe de Ana, escreveu um tweet elogiando o trabalho da contratada.
Plantão. Não demorou um mês para que Ana estreasse no comando do “Plantão BBB”, onde até ela virou meme, quando, repercutindo o pulo que Fiuk e Gil deram pelados na piscina, apareceu fantasiada com um sombreiro que sugeria que ela estava nua. “Essa coisa da exposição é sempre muito difícil, mas acredito que o reconhecimento, principalmente de quem entende, das pessoas que trabalham comigo, dos meus chefes, é sempre muito gratificante. Acho que não têm muitas perdas, eu não tenho isso. Fico muito contente de estar realizada com a profissão que escolhi seguir”, sublinha Ana, que, em seu ofício, tem como referências Tiago Leifert, Fátima Bernardes, Glória Maria e Pedro Bial, dentre outros. “O Brasil tem muitos apresentadores bons”, exalta. A maior ironia é que o primeiro tijolinho dessa construção foi colocado de maneira não-intencional.
Ana Clara só se tornou uma ex-BBB porque o pai se inscreveu durante 15 anos consecutivos, até que, em 2018, num formato inédito, toda a família foi selecionada, nos moldes do que havia acontecido no reality “A Fazenda”, da concorrente Record. Ana e o “Papito”, como o patriarca do clã Lima ficou conhecido, acabaram levando o terceiro lugar da competição, numa edição que, graças à ela e ao ator sírio-brasileiro Kaysar, ainda detém o recorde de uma prova de resistência: 42 horas seguidas, que só foram interrompidas pela produção por questões de saúde e segurança. Ele, vale lembrar, está confirmado entre os competidores do novo “No Limite”, apresentado por André Marques. Toda essa experiência, garante Ana, a auxilia no trato com os participantes.
Empatia. “É muito positivo ter estado lá, porque eu enxergo as coisas de uma maneira diferente. Além de trabalhar no programa, o que me dá a possibilidade de ver a vida deles por outro ângulo e de conhecê-los mais a fundo, ter estado na casa faz muita diferença porque consigo me colocar no lugar deles, entender que aquilo ali são circunstâncias completamente diferentes e que é muito difícil mesmo vivenciar esse momento de sair e conhecer o mundo de novo”, sustenta. Em um país cada vez mais machucado pela polarização, em que os discursos de ódio e cancelamento se tornaram uma constante, ela não tem dúvidas quanto ao papel da empatia e da tolerância, ainda mais em um programa onde o público se sente instado a julgar e definir o destino dos participantes.
“Olha, a importância é 100%. Eu acho que mais importante do que ser empático é você entender que isso vai muito além de não apenas se colocar no lugar daquela pessoa, mas é também não curtir e não exaltar pessoas que humilham outras. Porque quando você compartilha um post humilhando e massacrando alguém, ou quando você mesmo faz isso, você não está sendo empático. Não é suficiente você ter esse tipo de atitude durante o programa e quando o participante é eliminado você fala: ‘Gente, acabou, ficou tudo pra trás’. Não! Não existe isso”, critica ela, que lança mão de uma metáfora poderosa.
Fogo. “Não tem como você passar 30 dias jogando gasolina num participante e aí quando ele sai você risca o fósforo perto e fala: ‘Ô galera, não né?’. Vai pegar fogo! É muito incoerente as pessoas que humilham os participantes, julgam de maneira grossa, desproporcional e depois querem falar que ficou tudo pra trás. Se você está instigando as pessoas a tratarem as outras de uma maneira agressiva, é isso que elas vão ter pra dar”, arremata Ana, que, antes de chegar aos 30 – a idade em que não se deve confiar em ninguém, segundo a canção interpretada na década de 70 pela cantora Claudya –, ensina um país invadido há mais de 500 anos as boas-maneiras de ser contundente sem perder a classe.
Fotos: Fernanda Garcia/Divulgação.