“Quando cheguei aqui o que havia estava no fim
e o que estava por vir andava disperso pelo sonho de alguns.
Mas a maioria vivia o seu dia-a-dia
e todos contentes por serem todos assim.
Eles não davam pelo fim
quanto mais pelo que já assomava mais além
– isto que já começava nos sonhos de alguém.” Almada Negreiros
Dispensa o falar macio e exala rudeza rústica ruminando o pasto da vida agrária agradecida. Reles e mera, capataz, protagonista, do Teatro sem cortina: exibe o ventre, as nádegas, os seios, escapolem vergonhas da época da condessa húngara e de Lucrécia Bórgia. Não tem pudor essa tal violência: que esconde os corpos das vítimas. Do tráfico de sonhos: e do consequente consumo inconsequente. Da água purificada por menstruações e da pobreza a escandir a costela, o osso palita os dentes. Um homem, apenas. Veste camisa xadrez, abotoada, e o cigarro de palha na boca: amarela. Mas as palavras, mesmo desamparadas, desnutridas: acabam-se correlatas: e não explicam.
A equação matemática duma mulata pobre produz beleza e olhos puxados: não de genética, mas desconfiam, assim viram boca de jacaré, cobra no mato, medo de grilo. Ditirâmbico jacaré consumido pelo fogo: um massacre. As álgebras e os algarismos romanos confluem de lado: um escracho. Zé desfaz a teia com um único maçarico: todos só pensam em ti. Então é isso. Então era isso. Um dia áspero, saltando suas revoluções de gazela, para atrair o predador e depois deixá-lo só com o cheiro: da fumaça, de patas sujas. Numa carta em braile, sonega a vista ao povo, que ás vezes enxerga torto, dispensa os exóticos atrativos, os olhos puxados, come com a mão enterrada no pano de mesa, um cuidado para que ninguém lhe puxe o prato, o tapete.
Quitandas, quitutes, lamparinas: morre o grilo entre frutas e doces de luz. Ágata caminha ao relento fechada em sua cortina. Corta o cimento sem pedir licença nem aos andantes nem aos que trotam sobre burricos. Uma fleuma britânica pouco vista em régias tão quentes. Uma mariposa com seus badulaques. Ou moribundo marimbondo doente. Uns olham da janela. Outros de frente. Por isso a incoerência das tintas. A celebridade adquire conotação de farsante, pois os ratos seguem a flauta da fábula infantil, o bolo do chapeleiro de Lewis Carroll. Os ratos se multiplicam. Vem de milhares de lados e buracos verdes. É seca. É bege.
Cismam que houvesse cinza antes do enterro. A pelugem dos: ratos. Uma tinta nanquim pegajosa gruda em Ágata: ratos. Roem o pescoço, os seios, os olhos: o baço de: Ágata. Véu de cetim cobre Ágata: uma sombra azul, um espasmo. Aqui não existem cactos, abelhas, chacais, a trucidar os corpos, é mais democrático: ratos. E os ônibus da truculência seguem pisando em Ágata. Quina da mesa de mármore, escorre a bile: agora roxa: e passa fome: e prensa em Ágata: agora morra. Todas as obras de arte: precisam tratar sobre drama: comédia, romance. As questões do homem. Será? Que toda esperança pontilha declarações de amor: a homéricas farras? Não se atreva. A conciliar desejos e expectativas. Bárbaro. Atreva-se, a conciliar desejos e expectativas:
Raphael Vidigal
Pinturas: Obras de Georges Seurat.