Woody Allen se defende de acusações, fala sobre Trump e o Brasil

*por Raphael Vidigal

“Não conseguem achar a loucura. Não aparece nas radiografias.” Woody Allen

Branco como uma espuma, inclusive nos cabelos brancos, mal penteados, que raleiam sobre a testa, porém são os olhos cabisbaixos, como que cansados, a chamarem mais atenção. Agora há uma irregularidade aparente entre eles, coisa que, na juventude, ou mesmo em anos recentes, não se notava. Por trás dos óculos de aro-preto, Woody Allen é um senhor de 85 anos que se ampara em seus próprios escombros, um tanto caquético, não só pela idade. Quando gozou os píncaros da glória, ele era disputado a tapas por produtores, editoras, canais de TV, atores e atrizes de Hollywood ávidos em trabalhar com o sujeito que, a seu modo, operou uma pequena revolução no cinema e inscreveu o seu nome entre os grandes do ofício, concebendo filmes capazes de agradar a crítica e público na mesma proporção e unindo dois segmentos historicamente distantes.

Após as denúncias de abuso sexual contra a filha de 7 anos, grande parte do mundo que o aclamava lhe virou as costas. Na entrevista desta segunda (8) concedida a Pedro Bial para o programa “Conversa com Bial”, na Globo, o apresentador fez questão de ressaltar que “duas investigações independentes inocentaram” Allen. No tribunal da opinião pública, no entanto, ele continua condenado. A onda sem precedentes provocada pelo movimento #MeToo, que levou à cadeia figurões como o produtor Harvey Weinstein e o comediante Bill Cosby, contribuiu para referendar o ostracismo de Allen, que parece ainda anestesiado por essa ressaca. Seu mais recente filme, “Um Dia de Chuva em Nova York” (2019), não estreou em Nova York. Depois de protestos de funcionários, a editora francesa Hachette desistiu de publicar sua autobiografia.

“A Propósito de Nada” saiu no Brasil pela editora Globo Livros, braço da mesma empresa que é a patroa de Bial. Talvez fosse suficiente para justificar a entrevista de Allen ao repórter brasileiro, mas, diante dos acontecimentos recentes, a sensação de que o cineasta tem cada vez menos saídas fica evidente. Questionado sobre o Rio de Janeiro, ele admite que tem “uma imagem clichê da cidade”, construída a partir de chanchadas que a apresentavam como um lugar paradisíaco cheio de confusões e maçadas, como aquelas protagonizadas por Carmen Miranda e Groucho Marx, um dos ídolos de Allen, no clássico “Copacabana” (1947). As especulações surgidas há dez anos, e potencializadas pelo então prefeito Eduardo Paes, que chegou a dizer que “pagaria o que fosse” para Allen filmar no Rio, são confirmadas por ele, que confessa nunca ter ido lá.

“Se tivesse uma boa ideia para o Rio, teria adorado fazer”, diz. As filmagens em Paris, Roma e Londres aconteceram também porque Allen as conhecia. Como se sabe, a intimidade é um preceito básico de seus filmes, o que frustrou o movimento político de ambas as partes para filmar no Brasil. E elogia Machado de Assis, adjetivado como “genial” – o que já sabemos – e que descobriu via “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Pouco afeito a viagens, o cineasta admite que pouco sabe do que está ao sul dos Estados Unidos e mesmo no sul do país. “Nunca fui ao Havaí”, exemplifica. Sobre Donald Trump, que dirigiu no satírico “Celebridades” (1998), define como “um fenômeno passageiro” e afirma que, ao invés de ter que tratar temas concernentes à presidência do império americano, como “fome, miséria e guerras”, ele deve preferir passar as tardes jogando golfe.

Diretor e roteirista de mais de 50 longas-metragens, Allen reafirma sua crença de que “a vida não tem sentido” e acreditar no contrário é um autoengano, e elege Cecilia, de “A Rosa Púrpura do Cairo” (1985), como a personagem com quem mais se identifica. Ironia das ironias, a moça ingênua e benevolente que deseja escapar das atrocidades do mundo entrando, literalmente, na tela do cinema, e assim o faz, é interpretada por Mia Farrow, com quem Allen foi casado durante “13 anos e 13 filmes”, e que, segundo ele, teria manipulado uma das filhas adotivas, Dylan, para chantageá-lo depois que ele começou um romance com outra filha adotiva, Soon Yi, sua atual esposa, num matrimônio selado em 1997. Logo, somos obrigados a nos perguntar: será um ser humano capaz de algo tão perverso quanto sublime? A verdade é que todos sabemos a resposta.

Foto: Rede Globo/Reprodução.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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