7 músicas para fazer refletir a questão indígena no Brasil

*por Ana Clara Fonseca (jornalista)

“Difícil foi achar a boca que falasse azul.
Tinha um índio terena que diz-que falava azul.
Mas ele morava longe. Era na beira de um rio que era longe.
Mas o índio só aparecia de tarde. O menino achou o índio e a boca era bem normal.
Só que o índio usava um apito de chamar perdiz que dava um canto azul.
Era que a perdiz atendia ao chamado pela cor e não pelo canto.
A perdiz atendia pelo azul.” Manoel de Barros

No próximo dia 28 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar o processo de demarcação de terras indígenas na região de Santa Catarina, sendo um modelo que poderá definir o futuro das demarcações de centenas de territórios indígenas no país. Ailton Krenak, historiador e filósofo indígena, não nega a nossa cegueira em relação às questões indígenas ao afirmar que ainda estamos em guerra, pois fomos construídos à base da ideia de um Brasil que começou após uma invasão e colonização europeia. Felizmente, alguns nomes de nossa música brasileira ainda trazem à tona as reflexões voltadas aos direitos, ao reconhecimento e respeito aos índios, os verdadeiros donos dessa terra de palmeiras.

“Zumbi” (samba, 1974) – Jorge Ben Jor
Escravidão. Os brancos chegaram, escravizaram os povos que aqui viviam, roubaram suas terras e implantaram o mito de origem do Brasil, de que caravelas repletas de portugueses afetuosos e gentis fundaram um país. Ao considerarmos essa visão, estamos ignorando toda a extensão da costa atlântica e a colonização como história de guerra contínua para tomar territórios e controlar os povos. Ao perceberem a má intenção dos europeus, os povos que aqui viviam reagiram em grandes conflitos, levando às guerras de conquistas de territórios. Jorge Ben Jor deixa evidente a escravidão como parte importante da história de formação do Brasil, e não deixa em silêncio a luta desses povos por suas terras e sua gente. Zumbi dos Palmares foi um dos grandes nomes da história do Brasil, líder quilombola que lutou por muito tempo contra essas invasões.

“Reis do Agronegócio” (rock, 2015) – Chico César
Direitos. O Agronegócio é uma das maiores atividades atualmente responsável pela exploração e desmatamento de terras no país, essas mesmas terras que foram invadidas e colonizadas na origem do Brasil. Chico César coloca com maestria uma letra de protesto contra os grandes lobos do agronegócio, ruralistas, fazendeiros, governadores, juízes, presidente. O direito à terra é direito básico dentro de nossa Constituição, mas na prática cotidiana a efetivação desses direitos está cada vez mais difícil, cercada de violência, corrupção, assassinatos, gerando grandes disputas no Congresso Nacional.

“Cara de Índio” (MPB, 1979) – Djavan
Cultura. Engolidos por uma cultura, submetidos a costumes e língua diferentes, devemos questionar quem é esse povo que hoje forma o Brasil? Se esse país existe, quem somos? Djavan fala sobre essa cultura roubada e, principalmente, sobre o lugar que esse índio ocupa atualmente, como ser exótico e distinto. Enquanto eles preservam e lutam pela sobrevivência da terra, nós mal lembramos que eles existem.

“Demarcação Já!” (rock, 2017) – Carlos Rennó e Chico César
Terras. A luta pela demarcação de terras se estende por toda a história de um país formado sob assassinatos e roubos. A demarcação é direito territorial do povo indígena, é preservação da cultura e dos saberes tradicionais, é proteção do meio ambiente e valorização de nossa origem. Cantada por mais de 25 artistas, a música é necessária para aprendermos, conscientizarmo-nos, entendermos, e refletirmos sobre os direitos dos povos indígenas do Brasil.

“Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar” (samba,1981) – Jorge Ben Jor
Povos. Antes da chegada dos colonizadores, viviam no Brasil entre 8 e 40 milhões de pessoas. Eram uma população diversa e distinta entre si, com diferentes línguas e culturas. Jorge Ben Jor nos faz refletir sobre o modo como colocamos esse índio em um único espaço, sem distinção, desenhado em uma mesma figura e um mesmo comportamento. Não há o que se comemorar quando pouco ou nada sabemos da verdadeira história de nosso país. O índio é o passado e a preservação de nossa sobrevivência.

“Um Índio” (MPB, 1977) – Caetano Veloso
Religião. Catequizar os índios foi uma das estratégias usadas pelos invasores para obterem o controle dos povos. Com a evangelização podiam implantar regras baseadas na crença e moralidade, usando a escravização como modo de salvar a alma desses povos, e a posse de suas terras como recompensas. É de uma beleza infinita o modo como Caetano desenha o índio, finalmente, como o verdadeiro salvador de nossa humanidade. Assim como o cristianismo coloca a volta de um Deus para nos salvar, Caetano fala de um índio que virá, salvador, apaixonante, divino. “ Um índio preservado em pleno corpo físico […] e aquilo que nesse momento se revelará aos povos, surpreenderá a todos não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”.

“Chegança” (samba, 1997) – Antônio Nóbrega
Identidade. As marcas do povo brasileiro se perderam. Vivemos uma falsificação ideológica que sugere que estamos em paz, mas ainda há guerras o tempo todo, em todos os lugares. Os povos tradicionais não têm os seus direitos respeitados, nem sob suas terras, nem sob suas vidas. Sempre querendo expor a verdadeira cultura do nosso povo, Antônio Nóbrega colocou em “Chegança” melodia e letra carregadas de identidade. De modo contento, relata como todos estavam quando os portugueses chegaram, como tudo estava em paz até invadirem e começarem o Brasil que conhecemos hoje. O que é o Brasil de fato?

Foto: Miguel Rio Branco/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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