Filme búlgaro ‘O Pai’ reflete sobre remorsos e esperanças em família

*por Raphael Vidigal

“O homem tem necessidade dessa vida e, se ela ainda não existe, deve pressenti-la, esperá-la, sonhá-la, preparar-se para recebê-la e para isso procurar ver e conhecer mais do que viram e conheceram seu avô e seu pai.” Tchekhov

“O Pai” é um desses filmes cujo título parece óbvio, mas que, com o tempo, vai nos revelando camadas mais profundas. Afinal de contas, como diz o próprio trailer desse longa búlgaro, “tem um momento na vida em que você se torna pai do seu próprio pai”. Dirigido pelo casal Kristina Grozeva e Petar Valchanov, vencedor na categoria principal do mais importante festival de cinema da República Tcheca, a produção coloca logo de cara essa dúvida sobre os papéis desempenhados pelas personagens no enterro da matriarca, quando o pai pede ao filho que a fotografe no caixão para guardar essa última lembrança da finada – as atuações dos protagonistas merecem um destaque à parte, ao contrapor a liberdade criativa e dissidente ao universo asséptico e controlado da atualidade.

É o primeiro momento de conflito, que deixa transparecer outra estratégia: a tensão entre humor e drama, que se equilibram na corda bamba sem perder a sensibilidade e o olhar complacente para o ser humano. Surge a segunda dúvida que o filme invoca: assistimos a uma comédia ou a uma tragédia? Possivelmente, aos dois, como, aliás, se porta a vida de todos nós. Diante de um grande sofrimento, cada um escolhe uma maneira de reagir e se proteger. O pai é atormentado por uma questão: antes de morrer, a esposa queria lhe dizer algo, e não teve êxito. Agora ele parte em busca de respostas no além, procura um médium e ignora os sinais de seu provável charlatanismo. O filho esconde os sentimentos e até os fatos da esposa, grávida: pois então ele é mesmo o pai?

Com cenas precisas e impagáveis, a trama tem seu grande trunfo nesses pequenos momentos que, juntos, dão forma a um conjunto bem distribuído. São, como no dia a dia, acontecimentos capazes de despertar a nossa atenção para a grandeza e a falibilidade da existência. Por exemplo, a ideia de um quadro surrealista que manterá a memória do ente querido; o recebimento de uma ligação sobrenatural; o roubo de uma carroça de abóboras; e, claro, a importância de uma geleia de marmelo feita em casa, com gerânios, e tudo que isso pode provocar dentro de uma delegacia. Essas questões, quando superam a superfície, revelam remorsos e esperanças que compartilhamos em sociedade, com a família, imbuídos de sonhos que nos catapultam das misérias.

Fotos: Reprodução.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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