*por Mayra Santos (jornalista, roteirista, geminiana com ascendente em virgem e lua em gêmeos)
“Esmalte vermelho, tinta no cabelo
Os pés num salto alto, cheios de desejo
Vontade de dançar até o amanhecer…
Ela está suada, pronta pra se derreter…
Ela é puro ecstasy! Barbies, Betty Boops…
Puro êxtase!” Guto Goffi & Maurício Barros
Vamos pensar em uma mulher sexy, com as pernas desnudas, sempre revelando uma cinta-liga, esbanjando um decote, independente, livre, trabalhadora, autossuficiente, que se diverte e tem vários namorados.
Até hoje, em nossa realidade machista e patriarcal, isso pode ser considerado, por muitos, algo transgressivo, fora do padrão e não adequado. O pior pesadelo para a família tradicional brasileira. Vamos pensar nesse mesmo exemplo de mulher, só que agora inserida na década de 30. Essa é Betty Boop.
A personagem fez a sua primeira aparição em 9 de agosto de 1930, em uma série animada chamada “Talkartoons” e foi desenvolvida inicialmente com a aparência de um poodle. Com o seu sucesso, os criadores resolveram redesenhá-la e transformá-la em humana. Uma meiga dançarina de cabaré que começou a protagonizar o seu próprio desenho.
Seu modo de ser e viver era antagônico aos valores considerados “íntegros” pela sociedade da época. Todas as produções cinematográficas mostravam o contrário: mulheres submissas, belas, recatadas e do lar.
Betty cantava, dançava ao som do jazz, esbanjava liberdade, tinha um namorado novo a cada episódio, se vestia como queria, desempenhava funções nem um pouco convencionais. Nada escondido e tudo escancarado para todos que assistiam ao seu show.
Apesar da vida empoderada e livre, é triste e revoltante ver que a personagem sofria com os vários perseguidores e agressores do sexo masculino. É importante também ressaltar que ela foi a primeira a levantar a questão de assédio sexual na indústria do entretenimento, enfrentando um produtor de circo em um episódio de 1932.
Assim como muitas mulheres, em nome da “moral e dos bons costumes” Betty Boop não pôde mais ser quem era de fato. Em 1934, ela foi censurada pelo Código Hays para produções cinematográficas americanas e não pôde mais exibir seu look sexy e continuar com algumas das suas atitudes. Betty era provocante demais para o público.
Os seus criadores alteraram sua imagem, vestindo a personagem com roupas até o pescoço, mas ainda com os seios se destacando na malha colada em seu corpo. Colocaram ela para realizar atividades mais aceitas, como a de ser babá, e lhe arrumaram um namorado fixo. Mesmo assim, após anos de perseguição, o comitê moralizador proibiu a sua aparição de vez.
Depois disso, Betty Boop só foi dar as caras novamente nos anos 80. Ela apareceu no musical para TV “The Romance of Betty Boop” e no filme “Uma Cilada para Roger Rabbit”.
Embora tenha sido uma artista banida de Hollywood e com um estrelato original curto, Betty se vingou tornando-se uma das personagens de desenhos animados mais conhecidas e populares do mundo.
É assustador pensar que Betty é um tipo de mulher que ainda é desconjurada por muitos. Fiz essa reflexão pensando em nossa (des)ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Damares Alves, anacrônica com seu conservadorismo, parece fazer parte lá daquele comitê moralizador que proibiu e censurou a personagem na década de 30. Socorro!
Sendo assim, a icônica Betty Boop comemora mais um ano de existência, evocando o sentimento de um mundo libertário e autêntico para as mulheres. A personagem nasceu da imaginação de dois homens: Max Fleischer e Grim Natwick. Dessa forma, acredito que o único defeito que Betty carrega é de não ter sido criada por outra mulher igual a ela.
Imagens: Grim Natwick/Reprodução.