11 músicas brasileiras sobre pais e filhos

*por Ana Clara Fonseca

“Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.” Adélia Prado

O que é ser pai? Uma pergunta difícil, um pouco incerta e mais um tanto ausente. Não costumamos falar sobre paternidade, essa transformação que acontece de fora para dentro na vida de um homem. Se não fôssemos seres racionais e sentimentais, muito provavelmente seríamos de uma das espécies em que o macho só está ali para a reprodução, nada mais.

Porém, quando nasce um filho é chegado o momento em que esse homem agora poderá se ver enquanto pai. E nesse reconhecimento, tão próprio e individual, nasce um laço afetivo de apego e presença. Aqui vão algumas músicas em que os compositores (pais e filhos) conseguiram expressar sentimentos tão particulares dessa relação. Um presente de pai para pais, de pais para seus filhos e filhas, para teus pais.

“Espelho” (samba, 1973) – João Nogueira e Paulo César Pinheiro
Quem nunca se imaginou reflexo do pai? Os jeitos, trejeitos, manias, defeitos, gostos, caras e bocas. Porque há entre pai e filho um desejo subentendido de que sejam parecidos, por quaisquer motivos. Gravada em um compacto de 1973 e relançada em 1977, a letra de “Espelho” não é feita de pai para filho, e sim de filho para pai. Bonita de doer o peito, fala sobre a saudade do pai que partiu cedo dessa vida, e deixou sua referência e exemplo ao filho. Muitas vezes somos felizes em ter nosso pai como modelo de nossos passos, de nossa história. João Nogueira termina a canção com o verso “e o meu medo maior é o espelho se quebrar”, sobre a dor de, em algum momento, não ver mais o pai em seu reflexo.

“Valsa Para Uma Menininha” (valsa, 1971) – Toquinho e Vinicius de Moraes
Não se sabe ao certo a quem a música foi destinada quando Vinicius e Toquinho a compuseram. De todo modo, a música fala em um amor tão grande para uma criança que poderia muito bem ser de pais para filhas. Com uma melodia de cantiga de ninar, “Valsa Para Uma Menininha”, de 1971, é uma mensagem passada diretamente a uma criança, pedindo para que ela não cresça, porque “a vida é somente teu bicho papão”. Trazendo o quanto a infância é valiosa, sem preocupações, e o quanto crescer é um processo difícil e doloroso. Traz o sentimento de um pai, com proteção e saudosismo, em querer bem a vida da filha, e que aquele elo entre eles, que acabara de começar, permaneça “assim, fique assim, sempre assim”.

“Boas Vindas” (MPB, 1991) – Caetano Veloso
Caetano retirou um pouco do sentimentalismo e trouxe a chegada de seu terceiro filho de modo alegre e contemplador. “Boas Vindas” foi escrita quando o filho Zeca nasceu, e lançada em 1991 no álbum “Circuladô”. A composição recorda o momento do nascimento, trazendo aquele sentimento gostoso que se alastra para toda a família, de boas-vindas ao novo ser! Como se tudo em volta estivesse iluminado recebendo essa criança, “o sol, a lua, o medo, a rosa, venha conhecer a vida, eu digo que ela é gostosa”. “Boas Vindas” foi regravada em 2018 com Caetano e seus três filhos, no álbum “Ofertório”. Um modelo bonito de celebrar a nova vida que vem vindo, conhecer a vida!

“O Filho Que Eu Quero Ter” (acalanto, 1975) – Toquinho e Vinicius de Moraes
Composição para o filho Pedro, Toquinho conta que fez a música pensando na ideia de um filho, e não na vontade. Porque antes de nos tornarmos pais e mães temos um filho já formado em nossa mente, como um sonho possível, um plano para o futuro. Mas o filho real, aquele que pegamos nos braços, é que nos transforma por inteiro. “O Filho Que Eu Quero Ter” traz esses dois momentos, quem somos antes e depois dos filhos. Também em tons melódicos das canções de ninar, a letra acalenta o filho pequenino contando sobre os devaneios do pai, antes mesmo de tornar-se pai. E correndo a composição em uma linha do tempo, essa criança se torna um homem igual ao pai que agora também sonha com o filho que quer ter.

“Naquela Mesa” (seresta, 1972) – Sérgio Bittencourt
Escrita para o pai Jacob do Bandolim, “Naquela Mesa” fala sobre saudade. A mesa é o lugar de suas conversas profundas sobre a vida, suas histórias, as tantas lembranças. A mesa fala da alegria da vida do pai e simboliza a saudade do filho. Uma canção para a dor que a falta faz, aperta, para mergulhar fundo na melancolia e nas lembranças nostálgicas de nossos pais. A música também foi gravada na voz de Elizeth Cardoso, e, mais tarde, por Nelson Gonçalves, tornando-se um grande sucesso que atravessa gerações.

“O Mundo É Bão, Sebastião!” (pop rock, 2001) – Nando Reis
Entre as lembranças que permanecem dos filhos, estão os momentos de criança. As novas palavras, os interesses tão imprevistos, acontecimentos, descobertas, aprendizados. Muitos pais acompanham de perto esse desenvolvimento rápido dos filhos, que observam e aprendem com o mundo. “O Mundo É Bão, Sebastião!” é letra de Nando Reis para o filho Sebastião, relatando a infância do menino questionador, que dizia muitos “nãos”, de gênio forte, e sempre tinha como resposta do pai “O mundo é bão, Sebastião!”. A música nos recorda as brincadeiras e o dia a dia sempre marcado em memórias de pais e filhos.

“Parabólica” (pop rock, 1992) – Humberto Gessinger e Augusto Licks
A paternidade é construída com o tempo, com sentimentos, com laço. Cada história de pai para filho é pessoal. Não existe um padrão, e sim o que melhor cabe para construírem esse vínculo juntos. Humberto Gessinger usou de tantas metáforas e poesia para encontrar uma forma de dizer sobre o seu sentimento em relação à filha Clara, e a distância que os separava. Ao mesmo tempo, a descreve enquanto criança. Uma parabólica, capaz de captar os sentimentos desse pai, vindo de longe, sabendo que ele sempre estaria ali. Uma criança parabólica, em seu próprio mundo, olhando para o nada e imaginando um grande mundo. Alguém que reflete a sua alegria. Muitos pais encontram o seu jeito carinhoso de tratar os filhos; um apelido, uma brincadeira, algo único e exclusivo desse laço, que “a distância não separabólica”.

“Acalanto Para Helena” (acalanto, 1971) – Chico Buarque
Se o pai acompanha de perto uma gestação, a paternidade pode começar ali mesmo. Enquanto um bebê é gerado no útero ele é capaz de ouvir e sentir estímulos externos. Vozes, toques, cantos. A voz de um pai pode ser reconhecida assim que nasce um bebê, e uma canção de ninar pode tornar-se o primeiro vínculo entre pai e filha. Chico usa poucos versos, um acalanto, e canta para Helena dormir. Esse foi o seu modo de presenteá-la, de se presentar. “Acalanto Para Helena” foi gravada em 1971 para o álbum “Construção”. Em 2013, a cantora Ana Canãs regravou a canção, seguindo o trilho de Ney Matogrosso, que a registrou em 1996.

“Samba de Maria Luiza” (samba, 1994) – Tom Jobim
Da alegria do samba na inocência de uma criança. “O Samba de Maria Luiza” foi gravado junto da filha Maria Luiza, e em versos simples carrega a grandiosidade das brincadeiras, das boas relações, da intimidade e companheirismo. O samba termina com a menina pedindo “de novo” e Tom Jobim: “Não fala que grava!”. Com o gracejo de uma criança à amorosidade de um pai, a música de Tom Jobim tem ar e gosto de infância.

“Loadeando” (rap, 2005) – Marcelo D2
Os filhos crescem e logo estão discutindo e trazendo trocas de experiências e conhecimentos. Pode ser que esse seja um momento esperado pela maioria dos pais. Marcelo D2 e o filho Stephan trouxeram para o Hip-Hop um diálogo de pai para filho, de filho para pai em “Loadeando”, gravada em 2005. Uma conversa franca e horizontal que fala sobre a riqueza do compartilhar nessa relação paterna, e ainda fazendo críticas às situações políticas, econômicas e sociais do país. “Eu me desenvolvo e evoluo com meu filho, eu me desenvolvo e evoluo com meu pai”.

“Pai e Filho” (sertaneja, 2011) – Renato Teixeira e Chico Teixeira (adaptação para “Father and Son”, de Cat Stevens)
E então chega o momento de se despedir, os filhos resolvem trilhar seus próprios caminhos, construírem suas histórias, seguirem seus sonhos. Renato Teixeira e o filho Francisco Teixeira trouxeram uma nova versão para a música “Father and Son”, do cantor inglês Cat Stevens. Nas raízes sertanejas, pai e filho apresentaram uma nova adaptação, regada às brasilidades da música popular. Sem uma tradução literal, os cantores produzem a letra com forte identidade cultural. A interpretação de Renato Teixeira e Chico Teixeira em “Pai e Filho” é um conforto para os corações dos pais que estão saudosos pela distância de seus filhos, ou pelas relações às vezes complicadas, mas ainda cheias de amor.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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