80 anos de Roberto Ribeiro, a voz que eternizou ‘Todo Menino É Um Rei’

*por Raphael Vidigal

“Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,/ O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,/ O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…/ A que distância!…
(Nem o acho… )/ O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!” Álvaro de Campos [Fernando Pessoa]

Com entusiasmo, Roberto Ribeiro (1940-1996) canta o desencanto em seu maior clássico: “Todo menino é um rei/ Eu também já fui rei/ Mas qual/ Despertei/ Por cima do mar/ Da ilusão/ Eu naveguei/ Só em vão/ Não encontrei/ O amor que eu sonhei/ Nos meus tempos de menino/ Porém menino sonha demais/ Menino sonha com coisas/ Que a gente cresce e não vê jamais”. Lançada em 1978, a música de Nelson Rufino e Zé Luiz sobre a decepção de crescer ficou para sempre associada ao cantor carioca, nascido há 80 anos e que morreu em 1996, após ser atropelado e não receber socorro do motorista no local. Batizado Demerval Miranda Maciel, o ilustre puxador de samba da Império Serrano durante uma década inventou um nome artístico que soasse melhor aos ouvidos.

Mas, fora isso, Roberto Ribeiro não era de inventar. Ele sabia que sua voz, límpida, bem timbrada, gostosa de se ouvir, era suficiente para contornar as emoções das canções. Logo, cantava com despojamento e simplicidade, duas características marcantes de sua personalidade. O samba que levou para os discos era o mesmo que tocava no seu terreiro e na quadra da Império Serrano. Em 1972, Roberto já era um nome incensado pelos colegas quando foi apadrinhado por Elza Soares, com quem gravou três compactos até estrear no disco “Sangue, Suor e Raça”, verdadeira aula de ritmo e divisão melódica. Nesse quesito, Roberto não negava a raça: era um discípulo convicto, da gema, de Miltinho (1928-2014), que, por sinal, também gravara álbuns com Elza Soares.

Juntos, Roberto e Elza entoaram a irresistível “Lenço Cor de Rosa”, de Eduardo Marques, em que o protagonista tenta desfazer o flagrante da esposa com uma série de desculpas esfarrapadas: “Aquela mancha vermelha no meu colarinho/ Foi apenas um pingo de suco que caiu/ Só porque bebi sem canudinho/ E caiu um pinguinho/ Que nem com água saiu/ E o retrato que você achou na minha carteira/ Foi a lembrança de uma tia minha que partiu/ Mas esse lenço cor de rosa no meu bolso/ Eu lhe juro que não sei da onde foi que ele saiu”. Os encontros, aliás, foram outra constante na trajetória de Roberto, que se destacava naturalmente. Ele, que gostava de andar em bando, era da turma de João Nogueira (1941-2000), que o citou na clássica “Clube do Samba”: “Vejam vocês, Alcione e Roberto Ribeiro enfrentaram uma fila/ Foram comprar o ingresso para assistir ao show do Martinho da Vila”.

Filiado ao gênero mais tradicional do país, Roberto interpretou com requinte músicas do porte de “Acreditar” (Dona Ivone Lara), “Senhora Tentação” (Silas de Oliveira e J. Ilarindo), “Estrela de Madureira” (Acyr Pimentel e Cardoso), “Os Cinco Bailes da História do Rio” (Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara e Bacalhau) e “Vazio” (Nelson Rufino), mais conhecida pelo seu triste refrão: “Está faltando uma coisa em mim/ E é você, amor, tenho certeza, sim/ Nossos momentos foram algo mais/ Sem eles hoje eu não tenho paz”. Roberto sabia acentuar o romantismo tanto quanto a malícia das letras. Saboreava a melodia como se fosse a alma das canções. Com Gonzaguinha (1945-1991), cantou “E Vamos À Luta”, hino da esperança, em um descontraído dueto ao vivo, que apenas demonstrava o quanto Roberto era querido.

O reservado Chico Buarque também dividiu com ele os vocais de “Quem Te Viu, Quem Te Vê”, lançada no LP “Corrente de Aço” (1985). E, ao lado de Clara Nunes (1942-1983), deu voz à bela “Artifício”, de Mauro Duarte (1930-1989). A morte precoce e repentina de Roberto Ribeiro, responsável ao longo da carreira por colecionar prestígio e muitos sucessos radiofônicos, talvez o tenha afastado da nova geração. Por algum motivo, o seu nome é menos lembrado do que deveria, exceção reservada aos aficionados pelo samba. Cabe dizer que ele cantou com precisão todos os estilos do gênero e, de quebra, compôs algumas canções. Foi do samba-enredo ao ijexá, passando pelo jongo e o partido-alto. Seu principal legado é a falta de afetação. Roberto Ribeiro cantava o essencial.

Fotos: Odeon/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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