*por Raphael Vidigal
“Daí por que o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também por que ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-las na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.” João Cabral de Melo Neto
Macacos, tucanos e esquilos fazem companhia a Sérgio Reis na propriedade com 50 mil metros de área verde onde ele vive, na Serra da Cantareira, zona norte de São Paulo. “Quando são 10 horas da manhã, os micos vêm na minha janela pedir banana. A casa é grande, ando pelo quintal, tenho um gramado cheio de frutas”, conta Sérgio. A região ficou tristemente conhecida pelo acidente de avião que matou os integrantes do grupo Mamonas Assassinas, em 1996, como ele relembra. Vizinho dos músicos Renato Teixeira, Almir Sater, Chrystian, da dupla com Ralf, e Yassir Chediak, ele afirma “ter dó das famílias com 2, 3 filhos, avós e avôs que moram em apartamento, aí é duro”, em referência à quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus que já matou mais de 50 mil brasileiros.
Diabético, o cantor de clássicos da música sertaneja como “Menino da Porteira”, “Panela Velha”, “Pinga Ni Mim” e “Filho Adotivo”, entre outros, completa 80 anos nesta terça (23), véspera do Dia de São João, o que o coloca duplamente no grupo de risco da Covid-19. Mas Sérgio garante estar bem. “Nem penso que tenho 80 anos, sou ligado em 440 volts”. Ele aproveita o ensejo para confidenciar sobre o encontro de Arthur Moreira, parceiro de Sebastião Ferreira da Silva em “Filho Adotivo”, com o ator e diretor norte-americano Clint Eastwood, que celebrou 90 anos em maio. “O Arthur era um delegado aqui de São Paulo, bom músico, e ele esteve com o Clint Eastwood e perguntou como ele fazia para continuar trabalhando com 90 anos, e o Clint respondeu: ‘Eu não deixo o velho entrar na minha casa’. Aí o Moreira fez essa música muito boa que eu vou gravar essa semana, ‘Não Deixo o Velho Entrar em Mim’. Eu não deixo o velho entrar, sou ativo demais”, diz Sérgio.
Solidariedade. Ao lado de sua esposa, Ângela, o cantor tem realizado lives em suas redes sociais e distribuído o dinheiro arrecadado para os músicos que o acompanhariam nas turnês que acabaram canceladas. Ele também conseguiu doações de alimentos e álcool em gel para o sistema de saúde de Salinas, no interior de Minas Gerais. “Fazemos lives para alegrar as pessoas e ver se elas se distraem um pouco. Você liga a TV e é só bobagem, crime, desgraça. Isso não é vida, não tem um programa decente mais”, reclama. Além disso, o artista gravou, em um só dia, 18 vídeos curtos pedindo ajuda para músicos de cidades pequenas do Rio Grande do Sul, como Passo Fundo, que estão começando. “Sabemos das dificuldades dos que estão em início de carreira, procurando sobreviver, e, agora, temos que estar juntos. Eu também tive ajuda no começo da minha carreira. O (produtor) Tony Campello me ajudou muito. Artista é no dia a dia. Antigamente, você fazia um folhetim e distribuía o disco de porta em porta. Hoje, têm músicos passando fome. Nunca sonhei em ver isso na minha vida”.
Apesar disso, ele critica a cantora Adriana Calcanhotto, que declarou em entrevista recente que o Brasil se tornou “a piada do mundo”. “Vi uma chamada de artistas gaúchos em que a Adriana Calcanhotto fala que o governo não está fazendo nada pelos músicos. O que o governo pode fazer? O artista tem que fazer uma live para ganhar um troco, arrumar patrocínio, distribuir para a sua equipe, não é o governo. Você acha que o presidente tem pouco problema? Ele tem três problemas: o Brasil quebrado, a pandemia e os filhos que o deixam louco”, observa Sérgio. Na última sexta (19), Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, foi preso em Atibaia, no interior de São Paulo, em residência identificada como escritório do advogado Frederick Wasseff, que prestava serviços para a família Bolsonaro. Queiroz e Flávio são investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro no esquema de corrupção conhecido como “rachadinha”, em que funcionários “fantasmas” (que não trabalhavam no local), repassavam parte dos salários para o senador.
Bolsonaro. “Vai sobrar para o filho dele. Se for julgado e condenado, tem que cumprir, e o Bolsonaro sofre com isso. Eu tive esse problema de ‘rachadinha’ no meu gabinete. Uma pessoa veio perguntar: ‘Qual parte vamos receber?’. E a minha esposa, Ângela, ficou brava: ‘Não tem que dar nada!’. Disseram que era uma prática comum lá dentro os deputados dividirem o salário, mas deixamos claro que cada um ia receber o que era seu de direito. Pergunta se eles gostam de mim? Todo dia as pessoas da minha equipe me ligam, criamos uma irmandade forte, porque eu fui decente com eles”, informa Sérgio. Entre 2015 e 2019, ele exerceu o cargo de deputado federal por São Paulo pelo PRB (Partido Republicano Brasileiro), e preferiu não concorrer à reeleição em razão de problemas de saúde. Sua esposa acabou se candidatando, mas não foi eleita.
“Convivi com o Bolsonaro durante quatro anos lá na Câmara dos Deputados. Nós dois torcemos para o Palmeiras e ouvíamos aos jogos juntos. Quando ele começou a campanha para ser presidente, eu falei que tinha amigos no Brasil inteiro, que se precisasse emprestava avião, caminhonete. E ele disse: ‘Serjão, não quero nada de ninguém, pra depois não vir bater no meu ombro cobrar alguma coisa’. Esse é um depoimento meu de homem para homem. Ele não aceitou favores, ganhou por um milagre do povo que não aguentava mais o que o PT fez com o país”, defende. Antes de votar pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o músico admite que tinha “muita proximidade” com o ex-presidente Lula, para quem cantou em uma festa em São Bernardo do Campo, em 2011, logo após o fim do segundo mandato do petista.
Lula. “Infelizmente, tem coisas que a gente não entende. Como pode a esposa do Lula, que era minha amiga, uma pessoa boa, educada, ter uma aplicação de R$ 60 milhões na conta? Vendendo (a marca de produtos cosméticos) Avon?” indaga. A história de que Marisa Letícia, de quem Lula ficou viúvo em 2016, vendia produtos da Avon foi desmentida em 2018 pelo site Boatos.org. Em maio, o juiz Carlos Henrique André Lisbôa, da 1ª Vara da Família de São Bernardo do Campo, divulgou que Marisa possuía um patrimônio de R$ 256 milhões. Ele voltou atrás, disse que se confundiu e que o valor real era de R$ 26 mil. A notícia falsa foi replicada na internet pelo deputado Eduardo Bolsonaro e a ex-secretária de Cultura Regina Duarte, que estão sendo processados pelos herdeiros de Marisa. “Tenho uma sobrinha que é professora universitária e, quando o Lula foi preso, ela chorava. O Bolsonaro mudou os diretores de faculdade porque eles estavam pondo na cabeça das crianças que o bom é ser comunista igual a Venezuela”, dispara Sérgio.
Condenado por crimes de corrupção, Lula ficou preso durante 580 dias na sede da Polícia Federal, em Curitiba, e foi solto em novembro de 2019, após uma decisão do STF que impedia o cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos. “O Lula sempre foi meu fã, quando ele se elegeu, me convidou para tomar café da manhã no (Palácio do) Alvorada, eu tinha o telefone da casa dele. Se ele errou, tem que pagar, não sou eu que vou julgá-lo. A gente está vendo a situação dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), eles perderam a cidadania, não andam na rua porque precisam de dez seguranças em volta, se entra no avião, a turma vaia. O Lula que colocou os caras lá”, aponta Sérgio. Dos onze ministros que compõe a corte atualmente, três foram indicados por Lula: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, enquanto Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin chegaram até lá pelas mãos de Dilma. O decano Celso de Mello foi indicado por José Sarney, Marco Aurélio Mello por Fernando Collor, Gilmar Mendes por Fernando Henrique Cardoso e Alexandre de Moraes por Michel Temer.
Tropa. Em março, vídeos em que Sérgio convocava a população para manifestações em apoio a Bolsonaro e que pediam o fechamento do Congresso e do STF circularam nas redes. Num deles, ele dizia: “Temos que tirar essa raça de lá”. “O artigo 142 da Constituição avisa que você não pode brincar com o Exército. A frase da nossa bandeira diz: ‘Ordem e Progresso’. Se mexer com isso aí, vai ter problema”, declara o músico. Em maio, Bolsonaro replicou uma entrevista do jurista Ivens Gandra, que entendia o artigo citado como ferramenta para que as Forças Armadas exercessem poder de moderação em caso de conflito institucional. O entendimento foi repelido por integrantes do STF e do Congresso Nacional. A percepção de que Bolsonaro, acuado por denúncias contra filhos e aliados, poderia tentar um golpe, com o apoio das Forças Armadas, rendeu manifestações pró-democracia e antifascistas durante três finais de semana consecutivos no país.
“Que golpe? Se o vice-presidente (Hamilton Mourão) é general e o presidente é um capitão do Exército? Isso é coisa de gente com cabeça curta. O Exército não quer tomar conta por que o Exército é o presidente da República. Já é o Exército que comanda o Brasil, mas não aquele de 64, é outro”, acredita o intérprete. Em 1964, um golpe militar instituiu uma ditadura que perdurou por duas décadas, período que ficou marcado como “anos de chumbo” pelas torturas, mortes e perseguições a opositores. “O (Ministro da Economia) Paulo Guedes é de uma capacidade, ele não é leigo. O Bolsonaro sofre porque a Globo sempre usou o dinheiro do país e agora acabaram com isso, tiveram um prejuízo de R$ 40 milhões. Tinha 5 mil funcionários do PT recebendo salário que era para o profissional de pesca manter a família. Pescar aonde em Brasília? O Bolsonaro acabou com tudo isso, ele pode andar na rua que ninguém vai agredi-lo, o homem está lá porque foi eleito”, aponta.
Esquerda. A despeito de suas opiniões contundentes, Sérgio se considera “frio com política”, e tece elogios a deputadas de esquerda, como Luiza Erundina, do PSOL, e Benedita da Silva, do PT. “A Erundina fez um trabalho maravilhoso em São Paulo. Toda vez que a encontrava, eu beijava aqueles lindos cabelos brancos dela. Ela é uma senhora que tem que ser respeitada, não interessa se é PT”. Em 1990, Sérgio atuou na novela “A História de Ana Raio e Zé Trovão”, na extinta TV Manchete, ao lado do ator Antonio Pitanga. A convivência rendeu uma amizade com Pitanga, marido da deputada Benedita da Silva, que é autora da Lei Aldir Blanc, aprovada por unanimidade na Câmara e no Congresso neste mês de junho, e que prevê o repasse de R$ 3 bilhões a trabalhadores informais da cultura durante a pandemia. Com Benedita, o entrevistado integrou a Comissão de Seguridade Social e Família.
“Eu só fui ser deputado para ajudar os hospitais e as Santas Casas do país, sabemos como o povo sofre por conta dessas questões. Nos quatro anos que estive lá, nunca vi alguém trabalhar tanto como a Benedita, ficávamos horas no plenário juntos. Era o partido ali em cima com os problemas deles e a gente cuidando da nossa população, ajudando um ao outro, o que precisava a gente aprovava. É uma mulher do bem, maravilhosa, dou meus parabéns a ela”, enaltece. “Lá dentro (do Congresso) tem muito jogo de interesses e vaidades. Eu mudaria as leis do país, a começar pelas reeleições. Tem deputado que tem dez mandatos, está lá há 40 anos, não consegue nem andar. Deixa a nova geração tentar arrumar o país”. Bolsonaro foi deputado durante 28 anos e aprovou dois projetos de lei, ambos derrubados pelo STF: o voto impresso e a chamada “pílula do câncer”.
Trajetória. Com mais de seis décadas de estrada, Sérgio diz que “as coisas no meio artístico mudaram muito”. “Temos 5 mil duplas tentando fazer sucesso no sertanejo universitário, o cenário ficou muito acumulado, 4 ou 5 conseguem e o resto fica vivendo de ilusão, mas não troca de profissão”, constata ele, que dá o seu parecer sobre possíveis herdeiros na música sertaneja. “Esse chamado sertanejo universitário são os artistas que fazem um trabalho para agradar aos universitários. Acontece que a maioria dos universitários do país é gente do interior. Criaram uma música sertaneja mais pop”, afiança. Sérgio utiliza como exemplo o hit “Ciumenta”, da dupla César Menotti & Fabiano, que passou a adolescência em Ponte Nova, Minas Gerais, “cidade de João Bosco”, pontua ele, que aproveita para cantarolar os trechos “Quando você se separou de mim/ Quase que a minha vida teve fim”, da música lançada por Roberto Carlos em 1967, e “Se você pensa que meu coração é de papel”, de seu primeiro sucesso, “Coração de Papel”, daquele mesmo ano.
“É a mesma coisa da Jovem Guarda, eles cantam o Iê-iê-iê de 40 anos atrás em dueto”, diverte-se. “Mas é gente que sabe cantar, não tem embromação. Esses artistas da nova geração conquistaram o interior do Brasil através de um ritmo jovem. O Michel Teló é excepcional, a moçada é muito boa, quanto mais cultura musical para o nosso povo, melhor. Se for ficar só na moda de viola a vida inteira, ninguém aguenta”, opina. O cantor admite que o prestígio adquirido ao longo dos anos preserva o seu lugar ao sol. “Hoje, as empresas me ligam, vêm atrás de mim”. Sérgio tem show agendado para o dia 7 de março de 2021, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, com Renato Teixeira. Mas não foi sempre assim. “Deslanchei com ‘O Menino da Gaita’, em 1972”, rememora. O primeiro estouro aconteceu com “Coração de Papel”, ainda sob a égide da Jovem Guarda. A letra nasceu da briga de Sérgio com Ruth, sua namorada da época. O êxito comercial da canção foi fundamental para o cantor se manter financeiramente. “Meu pai, meus tios e meus avô fabricavam bucha para cartucho de espingarda. Com a proibição da caça no Brasil, fechamos a fábrica”.
Amizades. Sérgio já cantava em estúdios desde 1958, quando estreou na gravadora Chantecler, levado pelo radialista Enzo de Almeida Passos, parceiro de Adelino Moreira no samba-canção “Negue”, e que comandava o programa “Vitrola Mágica”, na rádio Bandeirantes. “A vida já vem escrita, pode ter certeza disso”, diz ele. Com Enzo, aprendeu a “nunca falar mal de alguém perto dos outros”. “Na época da Jovem Guarda, havia um oba-oba, uma guerra falsa entre o Wanderley Cardoso e o Jerry Adriani. Eu estava reunido com uma galera, Eduardo Araújo, Nelson Ned, uma porção de gente, e começaram a falar mal do Jerry, dizer que ele tinha ficado ‘chatão’, convencido. Eu o defendi na hora, e depois contaram isso para ele. O resultado é que somos irmãos até hoje, o Jerry nunca mais me abandonou”, orgulha-se.
“O artista tem que ser sorridente, educado. A pior coisa é começar com frescura, dizer que não tira foto com mais de dez pessoas. Isso é atitude de quem não está preparado para a fama”, detona. Outro amigo do peito que ele conserva é Amado Batista. O cantor goiano, que ainda o chama de “chefinho”, teve a primeira oportunidade graças a Sérgio que, na década de 1970, o levou para se apresentar no programa “Clube do Bolinha”. “O Amado começou a participar da ‘Caravana do Bolinha’, que rodava o Brasil todo, e a fazer esse sucesso, merecido, que vocês conhecem hoje”, exalta. Em 2020, Amado Batista foi acusado de possuir dívidas milionárias com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) por conta de desmatamentos ocorridos nos últimos 25 anos.
Caipira. Na biografia “Sérgio Reis: Uma Vida, Um Talento”, escrita por Murilo Carvalho e publicada em 2018, o protagonista conta que, criado no bairro de Santana, em São Paulo, e sem parentes no interior, já era fã da dupla Tonico & Tinoco aos 10 anos de idade, e vivia com o ouvido colado no programa “Na Beira da Tuia”, cujo nome mencionava o local de madeira feito para armazenar milho e outros grãos, aonde o caipira, após trabalhar um dia inteiro sob o sol escaldante, se sentava para cantar e descansar. “Eu gostava tanto de sertanejo que ia para a praia com chapéu de boiadeiro”, diz. O avô, italiano, tocava sanfona, o pai empunhava o violão e, um tio, o violino. “Eram todos músicos e faziam serestas. Com 7, 8 anos, meu pai dizia que eu já era afinado e me ensinava o repertório de Orlando Silva, Carlos Galhardo, Nelson Gonçalves”, enumera.
“Acabei ganhando uma violinha de papai que está comigo até hoje, há 70 anos, entrei na música com ela”, emociona-se. No meio artístico, Sérgio começou, como seus colegas, usando um pseudônimo ianque. “Eu era o Johnny Johnson. O Márcio, dos Vips, dizia que isso era nome de preservativo”, gargalha. Ele, então, pensou em apostar no nome de batismo: Sérgio Bavini. Porém, foi convencido por Teddy Vieira, que trabalhava na Chantecler, a usar o sobrenome da mãe. O estrelato de Sérgio Reis na música brasileira dava seu pontapé inicial. “O Menino da Gaita” já era sucesso no exterior, em castelhano, antes de Sérgio criar a versão que se eternizaria em terras tupiniquins. Teddy era autor de “Menino da Porteira”, cujo título semelhante não passou despercebido pelo cantor sertanejo. Ele estava em Tupaciguara, no interior de Minas, onde nasceu a cantora Nalva Aguiar, que Sérgio reputa como “a melhor cantora sertaneja que já tivemos, pena que a bebida acabou com ela”, quando tomou conhecimento de seu futuro sucesso.
Sucessos. Ele iria se apresentar em uma festa de debutantes. O baile começou e, logo na introdução, duas mil pessoas entoaram a plenos pulmões: “Toda vez que eu viajava pela estrada de Ouro Fino/ De longe eu avistava a figura de um menino”. Sérgio se arrepiou. A música era de autoria de Teddy Vieira, que ele conhecera na Chantecler e morrera em um acidente de automóvel em 1965. Na manhã seguinte, ele encerraria a feira pecuária na boate Cafona, em Goiânia, e se apressou a telefonar para o produtor Tony Campello, que tinha dado a pista: “Branco inteligente ataca de Wilson Simonal”. Significava seguir à risca o método de Simonal, que consistia em testar o repertório nos shows antes de gravar, para sentir a temperatura da plateia. À distância, Sérgio indicou ao maestro Elcio Alvarez qual deveria ser o arranjo de “Menino da Porteira”. “É uma música lenta, não põe acelerada para não perder o romantismo”, determinou.
“Quando lançamos, foi para o espaço, mudou a minha vida inteira”. Com “Saudade da Minha Terra”, de 1975, ele fez um disco com doze sucessos, de cabo a rabo, com direito a chalanas e modas de viola. “Essa música vale para todo mundo”, indica. “De que me adianta viver na cidade/ Se a felicidade não me acompanhar”, sustentavam os versos da nostálgica canção, regravada por Chitãozinho & Xororó, João Paulo & Daniel, Milionário & José Rico, e muitos outros. Em 1981, Sérgio vendeu 1 milhão de cópias com “O Melhor de Sérgio Reis”, entronizado de vez na seara sertaneja. Os números impressionantes o perseguiriam ainda mais longe, quando, em 1986, ele estabeleceu um recorde ao colocar 85 mil pessoas no Parque da Gameleira, em BH. Na sacola, Sérgio guarda sete indicações e quatro prêmios do Grammy Latino. E, como canta em seu maior sucesso, se mantém como um irrequieto menino da porteira. “A cultura desse país também é a nossa música”, finaliza.
Fotos: Site Oficial/Divulgação.