Luizinho Lopes comemora 40 anos de carreira e denuncia exclusão da cidadania

*por Raphael Vidigal

“Estava organizando meus papéis murchos, o tinteiro, a pena de ganso, quando o sol explodiu entre as amendoeiras do parque e o barco fluvial dos correios, atrasado uma semana por causa da seca, entrou bramando no canal do porto. Era enfim a vida real, com meu coração a salvo, e condenado a morrer de bom amor na agonia feliz de qualquer dia depois dos meus cem anos.” Gabriel García Márquez

“O faro poético é capaz de, a partir de pequenos elementos, criar grandes feitos”, intui Luizinho Lopes, repaginando o que o poeta Mario Quintana (1906-1994) concebeu com outro vocabulário: “Descobrir Continentes é tão fácil como esbarrar com um elefante: Poeta é o que encontra uma moedinha perdida…”. As moedinhas que Luizinho colecionou, ao longo de uma carreira iniciada no mercado fonográfico em 1990, com o álbum “Nem Tudo Que Nasce É Novo”, título irônico à eleição de Fernando Collor à presidência da República, mas que já havia começado pra valer dez anos antes, são agora reunidas em “Dossiê40”, sétimo lançamento de sua discografia. “Quanto mais velho, mais vontade tenho de criar música”, admite ele, influenciado por nomes tão diversos quanto complementares, como Chico Buarque, Gabriel García Márquez (1927-2014) e Federico Fellini (1920-1993).

Gravado na Sociedade Filarmônica de Juiz de Fora, cidade que o mineiro de Pirapora adotou ainda na infância, o álbum traz um apanhado da trajetória de Luizinho, que, em 1988, se tornou parceiro do escritor Luiz Ruffato, com a música “Em Mim”, além de apresentar canções inéditas para o público. Vídeos do espetáculo têm sido disponibilizados semanalmente no canal do artista no YouTube. Na entrevista abaixo, Luizinho aborda seus assuntos preferidos: música, criação, palavra e também dá um pitaco sobre a situação política do país. Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Juiz de Fora e servidor público de Minas Gerais, ele admite não ter ficado satisfeito com a primeira canção que criou, batizada de “Morena”. No entanto, a arte inevitavelmente o incita, como comprovam as cinco novas canções que ele compôs nessa quarentena.

Nesses 40 anos de carreira, o que mudou e o que permanece do Luizinho que começou na música para este de agora, em 2020?
Permanece o desejo de compor que trago comigo desde a infância. Atualmente, tal desejo é ainda mais compulsivo. Quanto mais velho, mais vontade tenho de criar música. O que foi mudando, e, creio, logicamente que para melhor, é a necessidade de aprimoramento, tanto na execução do instrumento que uso para compor, no caso, o violão, quanto na interpretação de minhas composições. Os desafios aumentam com a maturidade artística, e cresce a vontade de expandir a minha arte, seja trazendo novos temas para o discurso poético, seja buscando novos ritmos musicais.

Qual a importância desse álbum na sua trajetória e como foi a experiência de se apresentar na Sociedade Filarmônica de Juiz de Fora?
Apesar de ser praticamente impossível abarcar, em um só álbum, todas as composições consideradas fundamentais na carreira, várias canções, para mim bastante valiosas, não puderam constar na seleção final. As contempladas representam, de forma consistente, distintas fases em minha trajetória de criação, podendo-se perceber diferentes nuances musicais, provindas dos variados ambientes físicos e emocionais, relações pessoais e de amadurecimento que marcaram minhas composições nos tempos de cada uma. Foi uma experiência maravilhosa comemorar com show na Sociedade Filarmônica os quarenta anos de carreira, cercado de músicos espetaculares, numa celebração emocionante da arte e da amizade.

O que te inspira a compor e como é o seu processo de composição?
Qualquer fato pode ser motivo para desencadear em mim o processo criativo. Sou muito atento às minúcias, muitas delas exalam essências não perceptíveis pelo faro comum. O faro poético é capaz de, a partir de pequenos elementos, criar grandes feitos. Geralmente, quando abraço o violão, se estou sozinho, é para compor ou ensaiar. Tenho predileção pelo tema “palavra”, seja pela importância da mesma na escuta da psicanálise que eu tanto admiro, seja pelo próprio conteúdo poético contido em si mesmo. Para compor o repertório de “Dossiê40”, pincei três músicas que tratam diretamente do tema “palavra”, que são “A Sola do Palato”, “A Dança das Palavras” e “Falas Perdidas”, esta última, título de meu quinto álbum. Sobre “A Dança das Palavras”, é importante destacar que a letra integra o livro “Língua Portuguesa, Coleção Vivência e Construção”, da editora Ática, 1ª edição, 2001.

Você se lembra da primeira canção que criou e o que sentiu na hora?
A primeira canção que compus foi em 1977, no dia em que meu pai me presenteou com o meu primeiro violão. Um detalhe: eu nunca havia tocado violão em minha vida e, na ocasião, já saí dedilhando as cordas. Essa primeira canção se chama “Morena”, e eu sabia que era uma composição fraca, mas o estranho é que senti que ali estava o princípio de tudo, e que eu precisava passar por aquilo para adquirir bagagem para futuras canções.

Como tem passado a quarentena e o que tem achado da condução do governo federal diante dessa pandemia que já matou mais de 40 mil brasileiros?
Como também sou servidor público do Estado de Minas Gerais, e este trabalho permite que eu o exerça em regime de home office, permaneço em minha residência, isolado, como determinam as instituições oficiais de saúde, só saindo para o supermercado e a farmácia. Já compus cerca de cinco músicas nesse período de quarentena. Surgiu até uma ideia de um projeto novo, pós-pandemia, portanto ainda em tempo indeterminado. Estou muitíssimo preocupado com meus colegas artistas que não possuem outro meio de sustento a não ser as apresentações em bares, teatros e casas de espetáculo. As lives são uma boa ideia, porém, creio, já estão começando a saturar. Há, ainda, o fato de que as grandes gravadoras estão investindo muito nas lives, numa concorrência desleal com os independentes e os artistas menos favorecidos. O governo federal não se faz presente em nenhum momento. Para mim, soa como política de governo do atual mandatário (o presidente Jair Bolsonaro), a exclusão da cidadania da classe mais necessitada. Cada dia mais, aparecem péssimas surpresas, com o Brasil caminhando para ser o primeiro país do mundo em número de mortos pela Covid-19. O governador de Minas Gerais (Romeu Zema, do partido Novo) também tem contribuído para o desastre. Estou muito revoltado com tudo isso, creio que como a maioria.

Fotos: Humberto Nicoline/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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