“A chuteira veste o pé descalço
O tapete da realeza é verde
Olhando para bola eu vejo o sol
Está rolando agora, é uma partida de futebol” Samuel Rosa & Nando Reis
Um encontro com “velhos amigos” e a filha de uma musa. As revelações podem surpreender, inclusive, aos mais aficionados pela carreira de Jorge Ben Jor, 72. Neste domingo (28), o cantor se apresenta ao lado da banda Skank e da cantora Céu, 37, na praça da Estação, dentro do projeto “Nívea Viva”, a partir das 16h30. Samuel Rosa, 50, vocalista do Skank, explica que a relação com Ben Jor existe desde o início da carreira do grupo, nos anos 90. “Como ele diz, ‘somos velhos amigos’. Quando começamos, tocando em bares e juntando dinheiro para fazer o nosso primeiro álbum independente, porque a gente não vislumbrava a possibilidade de chegar numa gravadora nessa época, o Jorge ficou sabendo que a gente ia regravar uma música dele, ‘Cadê o Pênalti?’, e ficou muito interessado na banda”, relembra.
1 – Qual foi o seu primeiro contato com a música de Jorge Ben Jor e o que ele significou para a sua trajetória?
Jorge Ben Jor remonta da minha infância, como todo brasileiro da minha geração também. A gente nasceu ouvindo as músicas do álbum “Samba Esquema Novo” (1963). Mais pra frente “País Tropical”, “Chove Chuva”, isso está no inconsciente coletivo de qualquer brasileiro nascido nos anos 60 e 70. A música do Ben Jor é muito forte e muito impactante e desde então quando eu me dei por gente já sabia discernir o que era Ben Jor. Nos meados dos anos 70, ainda criança, ouvia muito o álbum “A Tábua de Esmeralda” (1974) nos bares e durante o verão na praia e depois mais tarde na adolescência os grandes sucessos dele como “Oé Oé (Faz o Carro de Boi na Estrada)” e “O Dia Que o Sol Declarou Seu Amor Pela Terra”, de ver ele no Chacrinha defendendo essas músicas, e shows do Ben Jor que passavam na televisão com frequência. Enfim, Ben Jor é um ícone e patrimônio da nossa cultura, não há quem não tenha visto. E mais tarde comecei a me identificar com a proposta musical dele, não só eu como o Skank, especialmente essas misturas dessa síntese de música brasileira encontrando o soul e o rock n’ roll. Ele é da primeira geração que escutou rock no Brasil, então isso está muito impregnado na música dele e ao mesmo tempo carrega um DNA brasileiro fortíssimo. Acho que aí que entra o Skank um pouco, também uma banda fruto dessas ambições de misturas.
2 – Tem alguma canção do repertório dele que possui um significado especial para você?
Esse negócio de eleger músicas ou discos é muito complicado, mas os álbuns “Samba Esquema Novo” (1963) e “A Tábua de Esmeralda” (1974) são parte da minha história. Fizeram parte da minha infância, adolescência e da minha formação musical anos mais tarde. São discos que escuto com frequência. É difícil falar sobre apenas uma em uma obra tão rica, tão preciosa, é muita música boa. Mas vamos tentar resumir para um ponto mais específico. Das quatorze músicas que estamos tocando no show com a Céu, as 5 com qual me divirto mais diria que são: “O Telefone Tocou Novamente”, “Oba Lá Vem Ela”, “Os Alquimistas Estão Chegando”, “Oé Oé (Faz o Carro de Boi na Estrada)” e “Xica da Silva”. Não sei se dá para dizer que são minhas prediletas, ou que têm o maior significado para mim, mas são as 5 que me divirto mais tocando no palco.
3 – Como é a experiência de se apresentar com ele no mesmo no palco?
A relação com o Ben Jor sempre existiu. Como o Jorge mesmo falou em um show: “eles são velhos amigos”. Ele sempre nos tratou assim. Quando eu olho para trás e vejo o início da carreira do Skank eu vejo um bando de garotos num gueto, naquela ocasião num lugar remoto do Brasil, porque Belo Horizonte, apesar de toda sua tradição musical no início dos anos 90 e nos anos 80, não chegou a revelar grandes nomes, com a exceção do heavy metal, como o Sepultura. Durante o boom do rock nos anos 80, Belo Horizonte ficou a ver navios. Se por um lado as décadas de 60 e 70 foram um celeiro de novos compositores e músicos iluminados, nos anos 80 foi escassa e de pouca relevância a produção musical em Belo Horizonte. Graças a Deus isso reverteu e foi diferente nos anos 90. Então, quando começamos em BH, tocando em bares e juntando dinheiro para fazer nosso primeiro álbum independente, porque a gente não vislumbrava a possibilidade de chegar numa gravadora nessa época, o Jorge ficou sabendo que a gente ia regravar a música “Cadê o Pênalti” e ficou muito interessado na banda. Nós mandamos o disco pra ele, e ele, que estava vivendo uma época de estouro fenomenal com “W Brasil” e estava sendo muito requisitado em programas de TV, prontamente começou a falar do Skank e até convidar a gente pra fazer alguns programas de TV com ele. Imagina, éramos uma banda anônima de Belo Horizonte praticamente sem gravadora, então esse foi um gesto enorme para nós. Também dividimos o palco com ele no festival de Montreux quando o Skank se apresentou lá em 2001 e também em shows na Alemanha. Então sempre dividimos o palco com ele, mas não com essa frequência que estamos fazendo agora. Agora estamos passando um semestre inteiro excursionando e cantando junto. O clima está muito bom, não poderia ser melhor. Já disse antes e repito que se o Skank teve algum padrinho, foi sem sombra de dúvidas Jorge Ben Jor.
4 – Qual a importância de Jorge Ben Jor dentro da música popular brasileira e qual a relevância de interpretar o seu repertório nos dias de hoje?
É difícil até medir o quão importante Ben Jor tem sido para o cenário musical. Pra essa síntese da cultura brasileira ele está entre os “como ninguém”. Ele formou uma mescla do soul e o samba com o rock n’ roll que ele escutou nos anos 50 e 60, então eu também colocaria ele na classe dos inventores. Ele chegou a um resultado muito distinto, a música do Jorge Ben Jor não tem paralelo, é diferente de tudo e de todos e por isso é um artista mundialmente conhecido e requisitado pelo mundo afora. Isso é de extrema importância. Pensando no cenário musical atual aí ele fica maior ainda, como se já não fosse gigante (risos). Enfim, o que a gente vê hoje é uma música voltada unicamente e exclusivamente para a repetição de um modismo. Não que eu condene isso de forma alguma, mas acho que há um exagero hoje na redundância e na repetição. Os artistas tem a mesma cara, cantam do mesmo jeito, tem a mesma batida, não tem pretensões autorais nenhuma e vem tocando nas rádios em exaustão. Então se a gente olhar um pouco pro Ben Jor e do cenário de onde ele vem, a gente vê quanta diversidade existia aí, cada um fazendo seu som de forma diferente. Só dentro da Tropicália da qual Jorge pertencia você vê quantas vertentes existiam aí, com cada um fazendo da sua maneira. E hoje a gente consegue ver uma luta por essa música que ainda levanta essa bandeira como uma música acessível mas que tem suas pretensões autorais e com uma certa vaidade e uma força de modificar. O Skank compartilha um pouco disso, basta olhar nossa discografia. Eu vejo que com as coisas que estão na moda é diretamente o contrário, é repetição, é o mesmo corte de cabelo, o mesmo jeito de cantar, pra quem está de fora e não entende acha tudo a mesma coisa (risos). Enfim, é um bom momento pra lembrarmos de Jorge Ben Jor e de olhar como chegar a uma produção musical tão singular, própria e distinta, mas que tem ecos de várias coisas. Jorge Ben Jor ainda é uma lição musical para nós, agora mais do que nunca.
Raphael Vidigal
Fotos: Léo Aversa/Divulgação.