“Por alguns momentos, apenas alguns momentos, é como se houvesse assim uma espécie de esperança, de possibilidade de esperança. Seja o que for, você está quase alcançando. O teu braço está tão estendido que essa parte que junta com o corpo parece que vai rasgar. E as pontas dos dedos podem sentir assim quase como. Um formigamento, uma dormência. A vibração dessa coisa que está lá, por enquanto ainda longe deles, prestes a ser tocada.” Caio Fernando Abreu
Nascida no seio da tradicional família mineira em Belo Horizonte, já no século XXI do ano de 2013, a TODA DESEO é um coletivo que prima, desde o início, por ampliar as possibilidades. Com uma temática ligada ao universo trans, mas, sobretudo, atenta às questões de identidade, a companhia acumulou em pouco tempo trajetória relevante e necessária, principalmente por conseguir conjugar suas inquietações de conteúdo sem desabalar a estética, a forma, e, principalmente, a poética de seu trabalho. “Ser – Experimento Para Tempos Sombrios” leva o coletivo a um novo campo de exploração, embora ainda lá estejam seus pilares: a performance, a experimentação e o remodelamento de tabus em totens. A TODA DESEO quer transformar as consciências, e para isto não dispensa a linguagem do corpo e a emoção com a qual se nos atravessa a arte. Desta vez, porém, há diferenças fundamentais, qualidade inerente àqueles que partem na busca incessante da mudança e, além, da modificação. Para começar promove habilidosa fusão entre sandice, somente aparente, e realidade, a fim de estender, expandir e alargar possibilidades de corpo e alma. Ao passear por gêneros a montagem expressa as múltiplas sensações da vida.
Abandonado no palco ao monólogo Rafael Lucas Bacelar conta com o apoio vital da dramaturgia concebida por David Maurity e a colaboração de Márcio Abreu. Preciso tanto na forma quanto no conteúdo, e perspicaz, acima de tudo, o texto oferece à personagem as possibilidades de transitar entre tons dramáticos que nunca se perdem do ponto nevrálgico, embora variáveis. Possibilidade esta que Rafael agarra nas unhas e dentes, pelo perfeito domínio de suas intersecções, dicções e climas, oferecendo com talento, conectado à entrega, uma atuação que não apenas sustenta como eleva a qualidade do texto que se espalha por palavras, gestos e maquiagem. Pois é através de um inteligente recurso teatral que o corpo quanto mais se esconde mais ele fica à mostra, tanto em sua exacerbação física quanto na dialética que entre espasmos e pausas se desenrola. Com raros e básicos elementos de cena a rodear-lhe, a intérprete tem para eles uso cabal e imperativo. A direção é arguta em coordenar as rápidas, porém sempre sagazes transições. Em poucos minutos e muitas camadas o espetáculo pinta retrato poético e incisivo de realidade afeita a movimento, prestes a chacoalhar, mexer, transbordar-nos.
Ficha técnica
Dramaturgia de David Maurity com a colaboração dramatúrgica e pesquisa de Márcio Abreu.
Direção de Alexandre de Sena.
Com Rafael Lucas Bacelar.
Trilha Sonora: Davi Fonseca e Lucas Oliveira/Coreografia: Gui Augusto, Ronny Stevens e Thales Brener Ventura/Cenário: Moisés Sena/Figurino: Helaine Freitas/Designer Gráfico: Antônio Roque/Técnico de som e luz: Akner Gustavson/Assessoria de Imprensa: Adilson Marcelino/Produção: Érica Hoffmann/Realização: Coletivo TODA DESEO.
Raphael Vidigal
Fotos: Felipe Chimicatti.