“Uma ideia absurda? Mera fantasia. Entretanto, já que nada há que não deixe algum resíduo, e como a memória afinal é uma luz que dança na mente quando a realidade é sepulta, por que não haveriam então de ser os olhos, que ali brilhavam tanto ao mover-se, o fantasma de uma família, de uma era, de uma civilização que dança sobre o túmulo?” Virginia Woolf
Desde o início é notório que “Estranha Civilização” insere-se entre as narrativas da contemporaneidade, não apenas em seu conteúdo, mas, principalmente, na forma. É essa certamente a grande qualidade da montagem da Cia. Absurda, que aposta no risco e na fábula, ao convidar o espectador a receber o tema de maneira indireta, por meio de uma linguagem figurada que se faz notar não apenas na maneira de reportar essa estória nada ortodoxa como, também, através de cenário, iluminação e trilha sonora, que oferece o deleite da interpretação do não menos pitoresco Tom Waits, entre outras peripécias igualmente impactantes neste quesito que é um dos destaques da atração. Infelizmente o texto não acompanha e por vezes perde-se ou até subjuga-se à ação dos atores, cuja interpretação sai prejudicada justamente por essa falha. Fica claro o potencial de todos os três em cena para alcançarem melhores resultados se lhes fossem dispostas palavras pontuais e de maior densidade.
A direção, ao contrário, vira-se muito bem com o que recebe. Os jogos cênicos, as escolhas de movimentos, a interferência sobre o que é concreto e sobre o que é lúdico, ou seja, tanto o que é concretamente exposto quanto o que se pretende aludir, e até as decisões sonoras e as pausas que instauram o silêncio, sobressaem como um respiro para a montagem que, no todo, não consegue escapar à morosidade que o texto repetitivo e pouco efetivo gera em seu conjunto. “Estranha Civilização” é uma tentativa de refletir a respeito das mazelas do tempo presente, como a intolerância, a violência, o apartamento cotidiano e diário entre as mais diversas formas de organização que se impõe dentro de uma sociedade e que, na realidade, mais oprimem do que oferecem ao indivíduo a chance de uma libertação, porém, todas essas intenções se tornam mais exitosas em sua forma do que no conteúdo. É uma experiência estranha, no primeiro momento, que aos poucos fica acomodada e esvai-se.
Ficha técnica
Dramaturgia de Daniel Toledo.
Direção de Lydia Del Picchia.
Com Carloman Bonfim, Cristiano Peixoto e Fábio Furtado.
Cenário e Figurino: Wanda Sgarbi/Iluminação: Rodrigo Marçal e Wellington Santos (Baiano)/Trilha Sonora e Edição de Imagens: Luiz Rocha.
Raphael Vidigal
Fotos: Dila Puccini.