6 músicas reveladoras de Sandra de Sá, rainha da música soul brasileira

Sandra de Sá é uma das intérpretes mais intensas da música brasileira

*por Raphael Vidigal

“Entre cavalos e verdes pensei meu canto.
Entre paredes, murais, lamentos, ais
(Um cenário acanhado para o canto
E triste
Se o que dele se espera é até demais)
Pretendi cantar mais alto que entre os verdes
E encantar” Hilda Hilst

Sandra de Sá talvez seja das artistas que mais se entrega a seu ofício. Oriunda da soul music brasileira apareceu ao lado de nomes como Tim Maia, Hyldon, Cassiano e outros, sendo, desde então, solitária voz feminina neste cenário. Porém, marcante. A interpretação lancinante e visceral, a entrega pelas letras românticas e o singular suingue trazido se suas raízes africanas sempre denotaram para Sandra a característica de uma cantora catártica, de pura emoção, porém com pleno domínio da técnica a serviço dos sentimentos. Pois música é cultura, não tese. Eis aí a chave para que Sandra seja tão reveladora ao cantar, tanto de si quanto para os outros, que encontram-se em meio às canções. Não é por acaso que o compadre Cazuza a apelidou de Billie Holiday.

Leva meu samba (samba, 1941) – Ataulfo Alves
Ataulfo Alves encontrou o amor no matrimônio no ano de 1928, quando se casou, aos 19 anos, já morando no Rio de Janeiro, com Judite. Com ela, permaneceu por toda a vida e teve cinco filhos, dois deles, Adeílton e Ataulpho Alves Júnior, com o DNA musical no sangue. Ataulfo ingressou pra valer no samba carioca quando se tornou diretor de harmonia da escola de samba “Fale Quem Quiser”, em referência à pioneira no ramo “Deixa Falar”, sem nunca perder as raízes mineiras. Foi por essa estrada pavimentada que ele chegou até o Mr. Evans, diretor americano da gravadora RCA Victor no Brasil, pelas mãos de Bide. Depois de êxitos como compositor, somente em 1941 estreou cantando suas músicas, a primeira delas, “Leva meu samba”, contou com o acompanhamento do ainda anônimo Jacob Bittencourt, posteriormente, do Bandolim, e já prenunciava o bom gosto de Ataulfo para escolher quem estivesse ao seu redor. Mais adiante, ele formaria um casamento de incrível sucesso, com as suas pastoras, que levariam seu samba e seu recado, para todos os amores, desfeitos e iniciados, regravado por Noite Ilustrada, Jorge Aragão, Sandra de Sá, e muitos outros.

Fio Maravilha (samba-rock, 1972) – Jorge Benjor
“Fio Maravilha” ganhou o Festival da Canção da TV Globo em 1972. A música composta por Jorge Ben foi interpretada pela folclórica Maria Alcina. Outro personagem folclórico, o atacante João Batista de Sales, do Flamengo, time de coração do músico, era que dava nome ao sucesso. Ao contrário do que se esperava Fio não gostou da homenagem, e processou Jorge Ben, que teve que passar a cantar “Filho” no lugar do verdadeiro apelido. Anos depois, em 2007, Fio voltou atrás e concedeu para Jorge Ben o direito de cantar a música tal qual havia sido composta. Foi regravada com maestria e suingue por Sandra de Sá.

Tente Outra Vez (balada, 1975) – Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta
Raul Seixas sempre foi um artista místico, mas essa característica atingiu seu pico quando do encontro com Paulo Coelho. Foi ao lado dele e de Marcelo Motta que o “maluco beleza” compôs um dos hinos mais emblemáticos da carreira, um louvor à fé e à não desistência. “Tente Outra Vez”, balada de 1975, lançada no disco “NOVO AEON” sublinha, sobretudo, a força de continuidade inerente à vida, presente na natureza e, por conseguinte, à condição do homem. Foi com versos embebidos numa melodia de teor religioso que Raul, cuja canção é, ainda hoje, muitas vezes ligada ao universo da autoajuda, criou uma das músicas mais espirituosas de seu repertório, em todos os sentidos. “Tente Outra Vez” já diz por si só, no título, o recado da vida. Foi regravada por Sandra de Sá, Barão Vermelho, Chitãozinho & Xororó, e etc.

O Sal da Terra (Clube da Esquina, 1981) – Beto Guedes e Ronaldo Bastos 
Integrantes originais do “Clube da Esquina”, Beto Guedes e Ronaldo Bastos criaram em 1981 o mega-sucesso “O Sal da Terra”. A famosa expressão serviria anos mais tarde para batizar o documentário em homenagem ao fotógrafo Sebastião Salgado, outro mineiro ilustre, e se vê presente também em música de Cazuza e Roberto Frejat, intitulada “Nós”. Na referida canção o foco da letra é em um mundo mais justo, mais igual e humano, onde as pessoas possam viver em paz com a natureza e entre seus semelhantes. Foi regravada por Sandra de Sá, Roupa Nova, Jessé e Ivete Sangalo, entre outros.

Olhos Coloridos (música soul, 1982) – Macau
Sandra de Sá surgiu no embalo da soul música brasileira capitaneada por Tim Maia, e que contava ainda com Cassiano, Hyldon e Lady Zu. Com sua voz rascante e interpretação visceral era chamada por Cazuza de “a nossa Billie Holiday”. As atitudes de Sandra dentro e fora do palco sempre foram indissociáveis, exemplo de artista que se entrega ao ofício e vive a vida em cada música. “Olhos Coloridos” encontrou a intérprete perfeita em Sandra. Essa música de Macau, lançada em 1982, tornou-se emblema e manifesto do orgulho negro, além de um puxão de orelhas aos desavisados. “Todo brasileiro tem sangue crioulo”, avisa antes de entrar no refrão que exalta o cabelo sarará.

Mandela (soul, 1990) – Guto Graça Mello e Ronaldo Barcellos
Em 1990, Sandra de Sá já havia acrescentado o “de” ao nome artístico, por uma questão de numerologia, e também era nome consagrado na cena da soul music brasileira. Com um histórico de canções que não cansavam de incensar o orgulho da cultura negra, a intérprete deu o seu pitaco na história de Nelson Mandela ao gravar no álbum “Sandra!” a composição “Mandela”, composta por Guto Graça Mello e Ronaldo Barcellos. Com a habitual agilidade e leveza Sandra conduz o ouvinte ao percurso de paz e liberdade plantado pelo líder sul-africano no continente da África e em outros lugares do mundo, como o próprio Brasil e Portugal.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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