“Ouve-me, ouve o silêncio. O que te falo nunca é o que eu te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão.” Clarice Lispector
Uma prece. Deus realize uma prece. Ontem à noite. O espaço de um minuto retém as esperanças e covardes os que creem num Deus com clemência. Numa casca de maçã: donde menos se espera o escorregão: a cobra de Eva: a banana espichada e madura. O pressentimento está prestes a se cumprir. Recebe uma ligação, pensa: a voz da cigana. Desliga. Uma girafa tenta buscar: no último galho a penúria da folha erma. Corre perigo, sem jeito, nervoso: preces, rezas, gestos inúteis. Cambaleia, Ágata à frente: viva, morta: um fantasma: uma onça: uma cidade.
O crepuscular engolir do mundo a rir qual hiena desdentada. Passa de raspão: a terra batida sobe como marimbondo ao nariz. O rosto de palhaço não sorri. Bem que se esforça, alarga as bochechas. Faz rima, faz troça. Piada. Pena, mas a lágrima do palhaço não esconde as asas. O joanete estrala, e urra, escorre a bile, na quina em mármore: menina morra. Por causo ou casa desabada, os planos primeiros desfizeram-se. Findo o trajeto, ou quase ele, retornamos, dispersos: diferentes. Não somos os mesmos que decidiram ir lá atrás: sementes.
Crescemos, criamos abelhas, caules, raiz e soro morno da – fuligem. Marota, vejo-te entre ampolas e cemitérios. O estado sólido mais duro ao tempo do fogo usa-se, dissipa-se, usurpam-se marchas e freios, manilhas e rodas: soergo. Tem uma ponte de arame e ferro por sobre este rio imenso. Dá-nos pretos anjos. Tem nome de índio, nome de pássaro, invento Ágata. Uma nova, repentina, distante, nos colos e caules: Ágata. Esta a minha Ágata não existe. A verdadeira, infelizmente, está morta. Por seus pais e filhos, lobos e ninhos: vazios. Ágata usa óculos escuros no sol acalentador dos meus dias.
Raphael Vidigal
Pinturas: Obras de El Greco.