“Alegria, alegria é o estado que chamamos Bahia
De todos os santos, encantos e axé, sagrado e
Profano, o baiano é carnaval…” Moraes Moreira & Armandinho Macedo
*por Raphael Vidigal
Baiano de Ituaçu, no interior do estado, Moraes Moreira escreveu uma canção apenas para dizer que não era Alceu Valença. Ele mesmo reconhece que o engano tem fundamento, pois, apesar de usar “bigode e ele não”, as influências pernambucanas são recorrentes em suas músicas, especialmente a predileção por frevos. Moraes foi dos principais artífices na consolidação do “Trio Elétrico” com voz, sendo um de seus primeiros cantores, e, por muitos carnavais, despontou ao lado de Armandinho, Dodô e Osmar nas ruas da Bahia. Um dos fundadores dos “Novos Baianos” o espírito e a energia inovadora e entusiasmada jamais o abandonaram e, talvez por isso, Moraes soe como carnavalesco mesmo quando compõe baladas com o poeta Paulo Leminski ou lega à nossa música popular brasileira o melhor de suas reflexões existenciais.
Satisfação (frevo, 1976) – Gilberto Gil e Moraes Moreira
Em 1976, Gilberto Gil fez uma composição especialmente para Dodô e Osmar, chamada “Satisfação”, que saiu pela Continental no álbum “É a massa”, e que fazia referência no refrão à música “Satisfaction” dos Rolling Stones, já demonstrando a sede de antropofagia musical do guitarrista Armandinho, filho de Osmar e que havia sido incorporado ao grupo em 1974 com a missão de expandir a sonoridade do “Trio Elétrico Dodô e Osmar”. A música foi regravada pelo grupo em 1983, no álbum “Folia Elétrica”, pela gravadora Som Livre. Em 1998, foi resgatado em um álbum lançado pela Polygram, intitulado “Satisfação – Raras e Inéditas”, um registro raro com a canção na voz de seu criador, Gilberto Gil.
Pombo Correio (frevo, 1977) – Moraes Moreira, Dodô e Osmar
Em 1975, apaixonado pela composição instrumental “Double Morse” de Dodô e Osmar e que existia desde a década de 50, Moraes Moreira compôs para ela uma letra que se relacionava com a ambiência romântica de antigas composições carnavalescas, como Colombina e Jardineira, na qual pedia a um pombo correio que entregasse uma carta a seu amor. A canção foi o primeiro sucesso em nível nacional do “Trio Elétrico Dodô e Osmar”, e deu nome a seu quarto LP, considerado o melhor da carreira da banda, que saiu pela Continental em 1977. Saltitante, elétrica, colorida, a marchinha é bem característica dos trios que animam o carnaval de Salvador e que se tornariam uma influência na música do próprio Moraes Moreira, que além de produzir alguns discos foi o primeiro cantor de Trio Elétrico, antes apenas instrumentais. A música também foi gravada por Elba Ramalho.
Bloco do Prazer (frevo, 1979) – Fausto Nilo e Moraes Moreira
O compositor Fausto Nilo conheceu os integrantes do “Pessoal do Ceará” ainda na década de 70, e desde então passou a ser gravado por cantores como Fagner e Belchior, e mais tarde, Chico Buarque, Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Geraldo Azevedo, e outros. No ano de 1979, o “Trio Elétrico Dodô e Osmar”, banda criada pelos inventores do Trio Elétrico na Bahia, lançou no carnaval a música “Bloco do Prazer”, parceria de Nilo com o novo baiano Moraes Moreira. O frevo, em ritmo acelerado, é uma conclamação desenfreada à alegria e à festa. Gravada por Nara Leão em 1981, tornou-se sucesso nacional na voz de Gal Costa, um ano depois. Era apenas o início do desfile daquele cearense de Quixeramobim.
Vassourinha Elétrica (frevo, 1980) – Moraes Moreira
Em 1950, a pedido do governador da Bahia, Otávio Mangabeira, o bloco “Vassourinhas” de Pernambucano desfilou pelas ruas do Centro de Salvador e causou uma grande animação na população. Era a primeira vez que o carnaval popular da Bahia conquistava abertamente um espaço da parte oficial da festa que, embora público, era reservado exclusivamente às atividades das elites. Parece que o desfile do “Vassourinhas”, cinco dias antes, com aqueles frevos recebidos com tanto entusiasmo pela população, tinha servido como uma espécie de ensaio para a estréia da Dupla Elétrica e sua fubica. Sobre o episódio, Osmar disse: “A Bahia quase inteira foi pra Avenida Sete ver o desfile do “Vassourinhas”, eles começaram lá pelo Campo Grande e vieram em direção à Praça da Sé, à Praça Castro Alves, e lá vinham eles, iam pela Avenida Sete, e eu também no meio da folia, pulando atrás, do lado. Foi uma loucura tão grande, o povo pulando… nunca se tinha visto frevo aqui na Bahia. Foi aí que eu dei a idéia pro Dodô, disse: “Dodô, vamos sair tocando essa música.” Já em1980, Moraes Moreira compôs a música “Vassourinha Elétrica” para o álbum de mesmo nome lançado pela Elektra / WEA, contando novamente o episódio histórico.
Dodô no céu, Osmar na terra (frevo, 1981) – Moraes Moreira, Solon Melo e Osmar
Em 1981, Moraes Moreira compõe junto com Solon Melo e Osmar, a música “Dodô no céu, Osmar na terra”, em mais uma homenagem em vida a Osmar e póstuma a Dodô, que havia falecido em 1978. A canção, lançada no álbum “Incendiou o Brasil” é uma marcha frevo que fez sucesso no carnaval nordestino de 1982 e foi regravada por Luiz Caldas em 1996 no álbum “Filhos da alegria – Tributo a Osmar Macedo”, que saiu pela Eldorado.
Promessas demais (MPB, 1982) – Paulo Leminski, Moraes Moreira e Zeca Barreto
Em 1982, uma composição de Leminski em parceria com Zeca Barreto e Moraes Moreira chamou a atenção de ninguém menos que Ney Matogrosso, que decidiu gravá-la no disco “Mato Grosso”, do mesmo ano. Apresentada em show no Coliseu de Lisboa, em Portugal, com amplo sucesso, revelava ao mundo o Leminski compositor popular antes mesmo do poeta, já que “caprichos & relaxos”, livro de maior destaque, sairia apenas um ano depois, em 1983. Na interpretação de Ney Matogrosso ressaltam-se o delicado jogo dos combinados haicais de Leminski que compõe a música, em que o sentido de cada frase nunca está limitado a uma única leitura. É um mar de possibilidades, entre Brasil e Portugal nasce um poeta novo.
Cadê o trio? (frevo, 1983) – Moraes Moreira e Armandinho Macedo
Em 1983, Moraes Moreira compõe em parceria com Armandinho a satírica “Cadê o trio?” em protesto ao fato do “Trio Elétrico” ter tido de se apresentar em Itabuna nos carnavais de 1981 e 1982 por falta de apoio para desfilar em Salvador. A canção é incluída no disco “Folia Elétrica”, que sai pela Som Livre e conta ainda com a participação do músico Sivuca na faixa instrumental “Jazziquifrevo”.
Chame Gente (frevo, 1985) – Moraes Moreira e Armandinho Macedo
Em 1985, Moraes Moreira e Armadinho compõe o que se tornaria um dos hinos da Bahia. “Chame Gente” é também o título que dá nome ao disco, lançado pela RCA Victor, e faz uma verdadeira apologia à alegria característica da musicalidade e do espírito do povo baiano. O frevo foi regravado em 2005 por Moraes Moreira e Caetano Veloso, no álbum “Pure Brazil 2: Rio, Bahia, Carnival”, lançado pela Universal.
Desejos Manifestos (MPB, 1986) – Paulo Leminski, Moraes Moreira e Zeca Barreto
A tríade Paulo Leminski, Moraes Moreira e Zeca Barreto voltou a se repetir com êxito na composição de “Desejos Manifestos”, lançada em 1986 no álbum “Mestiço É Isso”, de Moraes. Aliás, a parceria entre Paulo Leminski e Moraes Moreira merece um capítulo à parte, e reaparece durante várias fases da carreira de ambos. A ligação entre o baiano e o curitibano deve-se, fisicamente, a um encontro na casa de Caetano Veloso, quando Moraes já alçava voo em carreira solo, e também pelos interesses em comum ligados à arte, cultura e modos de vida. Pois para os dois a vida, cultura e arte nunca se separaram. “Desejos Manifestos” expõe uma das mais inspiradas músicas de Leminski, com toda a força de sua poesia que aborda tempo, espaço e esperança.
Fotos: Divulgação e Arquivo.