“Em arte, só os preguiçosos são capazes de fazer alguma coisa.” Jagoda Buić
Viver sem pressa, nem urgência de nada. Ouve o cortejo para Tadeu enquanto caminha. Estende a mão a Adílson. Chama-lhe pelo nome do falecido. Hesita, corrige o erro, despista. Manto de velório não serve para o altar. Odete pergunta com medo. Das Neves rejeita com uma expressão séria, em seguida cede. O manto está velho, mas o estado ainda é pleno, portanto da igreja, que cace um feio, furado, amarelo, para o enterro, Odete.
Que traz outro e mostra, à ranzinza Das Neves. De novo faz troça: está bem bonita, enterros são tristes. Então Odete passa um pano na velha, furada, horrorosa, Das Neves com orgulho, diz-lhe em segredo: está perfeita. Tadeu nem na vida, nem Adílson, na morte teria, uma melhor sorte. O homem passou. E passa o concreto. Por sobre os pilares da terra que é bege, gananciosa de tornar-se amálgama do progresso: Das Neves.
Derrama o balde de leite em dégradé. Perseguido por uma abelha, essa espécie instintiva de paz, a mão do homem se assemelha à rachadura da lama na janela. Indo para lá e para cá a revolta mesma: e disse apenas uma, mas mortal palavra: ainda nas fraldas: sem peito a chorar. Derrama de leite: o balde em dégradé: há que virá-lo. A areia incomoda a abelha ao redor. Na banha do porco: borbulha o amarelo.
Mergulha nas águas lodosas e pretas. A pega pela mão para levar até onde pouse a quietude. Como um mosaico aos pedaços que aos poucos se cola. Desmorona à medida que os passos avançam. O sol abafado a cegar os olhos não a impede de ver o brilho: azul, amarelo, vermelho. As bochechas trazem beleza às paredes: abrem sorrisos largos: dentes de leite.
Com simplicidade, de nome único, repete o discurso que é grande por ser: voz do povo. Erma falta. Mergulha nas águas lodosas e pretas. Grita socorro: Tânia, a tabeliã, na manchete. Três codornas a ciscarem rápidas. E não menos aleluias e agonias lhe são tiradas. Apenas aceita feito pedra ante a onda do mar.
Raphael Vidigal
Pinturas: Obras de Renoir.