“Comemorando dolorosamente uma nova década numa única multidão selvagem.” Jack Kerouac
Se a bebida é a melhor amiga do homem, por certo é uma amiga muito ciumenta, o que explica a ressaca. De toda forma, não convém desmentir os poetas. A verdade é que não sei como saí dali. Passavam das quatro horas da tarde quando comecei a remendar os cacos da noite anterior e, embora estivesse na minha cama, ou algo parecido com isto, minha sensação era a de ainda estar naquele ambiente de outrora. Engraçado como a lembrança muitas vezes se dá por outros sentidos que não a visão. Muito embora as imagens fossem embaçadas o paladar mantinha-se na minha boca, assim como o aroma daquelas cervejas especiais. Pouco a pouco as recordações me reconstruíram o mosaico. Evidente que não garanto a verossimilhança deste relato, afinal de contas não estava no amplo domínio de todas as minhas faculdades. Mas se nos ativéssemos apenas aos fatos, quanto desperdício…
O banco era de madeira, uma mesa larga, ao ar livre, para os fumantes, até que a chuva começasse a nos dispersar. Já no ambiente interno e cada vez mais próximos e alterados, lembro-me de uma loura que, se não era real, certamente pode ser descrita como a mulher dos meus sonhos. Eu não me recordo se a encontrei já na minha cama, quando então sonhava, ou antes, naquele lugar cada vez mais propício à imaginação. Vez ou outra traziam petiscos até nós, como pastéis e coxinhas, trocados por fichas; todos suculentos, mas confesso que a esta altura minha atenção se virava para outro lado, como virava um atrás do outro os copos de chopp que me apareciam à mão como por mágica. Estou dizendo, nada do que escrevo aqui tem compromisso com a realidade, mas se duvida da existência deste lugar vá até a São Paulo, esquina com Alvarenga Peixoto. O nome estará escrito no alto; em vermelho escarlate. Agora já passam das 4h e é preciso preparar o almoço.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação.