“como se estivesse tentando escapar do sopro sufocante de um pântano ou do hálito pestilento de uma praga.” Edgar Allan Poe
Se é verdade que o Brasil nunca teve tradição em cinema de terror, também o é que um de seus cineastas mais tradicionais pertence ao gênero. Afora as características da originalidade e raridade, que já garantiriam vulto à obra de José Mojica Marins, colado à personagem que criou para realizar o desejo de filmar histórias mórbidas; é, sobretudo, a abordagem que sugere para Zé do Caixão lugar de destaque em nossas artes. Rogério Sganzerla teve a sabedoria de utilizá-lo como ícone em películas de seu “Cinema Marginal”, valendo-se de sua figura mítica, enquanto Ivan Cardoso sofreu influências do estilo de interpretação francamente marcada e caricatural. Nisso tudo o caráter brasileiro de folclores e lendas impõe-se sobre universo de escuridão pouco identificado à terra.
Zé do Caixão pertenceu, em certa época, ao imaginário coletivo tanto quanto Lobisomem, Curupira, Cuca, Mula Sem Cabeça, Boitatá e Saci-Pererê. Tornou-se mais um desses seres bizarros que traduzem a maneira gaiata do povo brasileiro de explicar seus medos. Para isso cuidou com zelo de aspectos essenciais à personagem, em especial no que diz respeito à sua elaboração concreta. Ou seja, mais do que a voz ou os textos, além das frases de efeito, Zé do Caixão é temido e reconhecido pelo feitio mais caro à nossas lendas e que sobressai em todo e qualquer filme de terror. O monstro só é monstro pela capacidade de abominarmos o que nele é palpável, no caso as unhas enormes, compostas com os trajes negros, a cartola e as menções simbólicas à caveira nos anéis e em amuletos.
Por essas e outras Zé do Caixão dificilmente perderá o posto de rei do terror nacional, já que encarnou nossos demônios com sangue de verdade, embora em vermelho canhestro e tosco. Pois é da precariedade que a beleza surge.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Divulgação.