“É a vida mais que a morte, a que não tem limites.” Gabriel García Márquez
Dercy Gonçalves talvez seja das poucas artistas da história que conseguiu atravessar as décadas tornando-se cada vez mais popular. A imagem que ficou é a da senhora de mais de 100 anos, desbocada e irreverente, mas esse humor escrachado e cheio de improvisos já era uma das marcas da atriz quando ela surgiu para a chanchada brasileira na década de 1950, e atuou em peças e “teatros de revista” hilários ao lado de nomes como Oscarito, Grande Otelo e Zé Trindade, seu par mais repetido nas telas de cinema. Dercy fez de si a própria personagem, uma mulher que rejeitou todos os estereótipos e limites que se impunham ao gênero e transformou a graça em receita de vida. Com sua voz peculiar e delirante foi tão livre que se aventurou, inclusive, na música.
A Perereca da Vizinha (sátira, 1965) – Dercy Gonçalves e Jonatan
Dercy era a própria sátira da moral e dos bons costumes da sociedade brasileira, arraigada em valores tradicionalistas e conservadores, ao menos perante os espelhos, traços da hipocrisia tão bem decifrados por Nelson Rodrigues. Por isso não haveria gênero melhor do que o humor para escrutinar, de modo explícito e popularesco, o pudor em relação ao desejo sexual da mulher. “A Perereca da Vizinha” foi lançada em compacto simples, em 1965, com letra cunhada por Dercy para ela própria, em parceria com Jonatan. O acompanhamento é de Altamiro Carrilho e sua banda. Como tudo o que Dercy fez foi um sucesso estrondoso, a despeito de sua voz debochada e do caráter pueril da canção; talvez ela fosse hoje tão combatida quanto o funk.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação e Arquivo.