Romance De Três

“Primeiro é o beijo
Quente, procurando
A língua procurando a outra
E vendo se a boca combina
Se combina o beijo” Cazuza

Rene-Magritte-The-Lovers-1928

Posse
Na boca aberta estar dentro. Na boca de dentes e língua. Na boca molhada estar dentro. Na boca que é pura saliva. Na boca como na avenida. Libido dos dentes; tensão da língua. Os dentes que trincam. A língua que adoça a gengiva. A língua com seu sabor molhado. A língua se arrisca; entre os lados, o fim e o começo e, sobretudo, dentro. Dentro a língua; dentro da língua; a língua dentro. Língua de vida, língua saliva. E os dentes em seu cortejo. Abram alas para a língua. E os dentes em seu cortejo, na caverna da boca a língua-morcego. E os dentes em seu cortejo: mordem, arranham e soltam faísca. E os dentes em seu cortejo: marcam o corpo com o branco do leite. Abram alas para língua. Que desejo, que deseja… Dentro da boca, ser possuída…

Domínio
A boca avança: morde, chupa, rasga. A boca em transe: suga, cospe, engole. O domínio da boca. A boca no domínio. Por baixo, por cima. A boca e seus ensinos. A língua é da boca. E a boca tem língua. A boca engole, domina. A boca que humilha. Boca de lobo, boca de esgoto, boca do lixo. Boca com seus martírios. Napoleônica, orgulhosa, híbrida. Boca que cala; boca que grita. Quando avança a boca domina. Impõe seu arado, impõe-se o martírio. A boca tem sede; é colina. A boca é um lago, e vacila por entre as rochas do corpo em que impõe seu domínio. Boca da morte; boca de vida. Céu da boca: vermelho, lânguido, descortina o desejo e obriga que fique de dentro a língua. Mais dentro o corpo do outro, em seu domínio, para seu desejo. A boca domina.

Entrega
Abrir. Cair. Não se erguer. Não se apressar. Deixar-se. Estar ao outro. Estar ao corpo. Estar ao corpo do outro. Estar ao seu próprio corpo. Sentir-se. Aceitar o calor. Aceitar o torpor. Não se abanar. Deixar-se. Deixar-se molhar. Deixar-se dominar. Deixar-se possuir. Estar entregue. Realizar desejos. Aceitar o frio. Não estender a coberta. Não se cobrir pela relva, pela terra, nem pela água transparente. Deixar-se molhar. Deixar-se penetrar pelas gotas de suor, de água, pelos delírios, pelos calores, pelas babas do desejo. Ignorar a moral. Ignorar a vergonha. Ignorar o costume. Arriar a armadura. Largar a espada. Não laçar o gado. Que ele venha. Que venha a boca. Que venha a língua. Que os dentes vinguem. Se entregar ao domínio do prazer, da boca, da saliva. Derreter-se.

magritte

Raphael Vidigal

Pinturas: “Os Amantes”; e “Descoberta”, de René Magritte, respectivamente.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]