“É um absurdo nos dividirem em gente boa ou má. Somos apenas encantadores ou entediantes.” Oscar Wilde
Numa definição clássica a linguagem é um fim em si para o texto literário, enquanto para o jornalístico serve como base à informação. Não significa que ambas não sejam nutridas por uma estética e, evidentemente, o conteúdo. No entanto, a arte, pela própria conotação, tem maior apreço pelo envelope, a forma, o invólucro. Ritmo, estrutura, vocabulário garantem, ou não, o impacto, que deve ser causado no jornalismo pelo fato em si. É este o pecado primeiro da montagem “Beije minha lápide”, com texto de Jô Bilac e direção de Bel Garcia, pois, ao se apropriar de passagens importantes da obra do dramaturgo, aforista e escritor britânico Oscar Wilde, elimina o contexto que lhes garantia o viço, mas essa originalidade, que por tal circunstância não seria lamentável, resulta numa leitura superficial, que tende para a demagogia e confere um tom entre o piegas e a piada.
É possível observar fenômeno parecido na internet. Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Caio Fernando Abreu e muitos outros, por caminharem, como um Lupicínio Rodrigues da canção popular, na tênue linha entre o derramamento de autoajuda e a precisão acabam arrolados junto a Paulo Coelho quando as frases são pinçadas a bel prazer e lançadas à deriva. Da mesma maneira uma declaração de um político ou celebridade para um jornal, retirada do todo, e que, por estratégia publicitária, estampará a manchete, ganhará contornos mais ridículos e escandalosos. Neste cenário não há como Marco Nanini, ator de reconhecidos recursos, e que protagoniza a peça, escapar de soar inseguro, hesitante, melodramático, com atropelos nas falas que desmentem a dicção quase sempre perfeita apresentada em outros trabalhos. Com esse abacaxi nas mãos não há como produzir omelete. Cenário e iluminação não contribuem, e a trilha sonora é discreta.
Carolina Pismel, Júlia Marini e Paulo Verlings entregam-se a um humor rasteiro, fundado na característica histriônica da voz, dos gestos, do figurino, das situações que chegam a soar constrangedoras, com alusões banais que ridicularizam e sublinham o estereótipo do homossexual, numa tentativa de descolamento que só alcança a pretensão. O próprio enredo embala nesta confusão, à imagem e semelhança de palavras metralhadas na intenção, mais uma vez, de modernidade frustrada, e caça um final possível para uma narrativa rocambolesca com forte tendência à novela. Nessa ânsia de rejeitar o discurso clássico e erigir uma estátua à “loucura do artista” como o ser privilegiado representado por Nanini, deixa-se escapar entre os dedos a fada do dente, a galinha dos ovos de ouro, a essência mágica do universo provocativo e nunca óbvio de Oscar Wilde, que indeferiria: “Nada é tão perigoso como ser moderna demais. Fica-se com uma tendência a virar antiquada de repente”. Outro exemplo de sua apreciação pelo clássico. À essa altura clichê é dizer que o homenageado revira no túmulo.
Raphael Vidigal
Fotos: Cabéra; e imagem do autor irlandês Oscar Wilde, respectivamente.