“Só goza a vida aquele que viva para viver e se lhe entregue livre e prodigamente. Todo aquele que fixa uma meta apenas a toca. O artista plasma, geralmente, o que não chega a viver.” Stefan Zweig
É com humor que Wes Anderson tira a importância da pintura, da poesia e do ser humano em “O Grande Hotel Budapeste”. No entanto, esse artifício é usado para a crítica de forma branda, e fartamente como um exercício de linguagem. Ao apresentar as suas personagens através do maneirismo e da superficialidade o diretor não apenas demonstra a própria falta de afeição como impede que nos aproximemos e haja a criação de algum vínculo afetivo.
Protagonistas e coadjuvantes de luxo são esvaziados a tal ponto que o fascínio só ocorre em razão dos efeitos técnicos: em figurinos, cenários e maquiagem extravagantes. O excesso também é medido no ritmo frenético da história, que, embora remonte a tempos idos, está em consonância com a contemporaneidade. Todos esses elementos, porém, garantem à película estilo e afetação, premiando a vaidade do diretor. Era Millôr Fernandes quem dizia de si: “Finalmente um escritor sem estilo”. Esse não é o caso de Wes Anderson.
Inspirado em contos do escritor austríaco Stefan Zweig, o filme revela momentos interessantes, o final em especial, quando parece se arrepender do tratamento dado às pessoas e esboce certo romantismo, e no louvor à ilusão. Algumas tiradas com relação à pintura, em que lança mão do quadro de Egon Schiele e o deboche às cenas de tiro dos filmões americanos onde ninguém sai ferido dão um respiro à trama. Ao contestar o “valor inestimável” da arte o diretor dá vazão ao melhor de seu humor ácido e pouco óbvio.
A composição das personagens vale pelo efeito da caricatura, embora, desprovidos de emoções reais, ajam como fantoches. Esse charme poderia ser explorado caso houvesse uma condução de texto mais compatível com a força e o peso dos gestos e dos atores. Willem Dafoe, com sua expressão marcante, está ótimo. Combina perfeitamente ao papel. A trilha sonora de Alexandre Desplat está acima da média do filme, por criar sensações mais tocantes que o enredo ou os diálogos. Talvez por seu caráter abstrato, a música consiga disfarçar a falta de olhar ao próximo nesta película de Wes Anderson, tão preocupado em tornar patéticos teus semelhantes que parece se considerar distinto.
Raphael Vidigal