5 Músicas Cantadas Por Mussum

“Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.” Fernando Pessoa [Alberto Caeiro]

Mussum

Um dos trunfos do programa “Os Trapalhões”, que ficou no ar de 1977 a 1993 com quadros inéditos, além de um sem número de filmes, é que os personagens interpretavam a si próprios. O protagonista Renato Aragão de fato o cearense, retirante nordestino na cidade grande. Dedé Santana o suburbano carioca. Mauro Gonçalves, o Zacarias, o único com formação de ator através do rádio, sugeria piadas de homossexualidade, e não raro usava vestimentas, gestos e vozes femininas e infantilizadas. E Mussum, o sambista do morro.

Se Didi e Dedé formaram seu humor principalmente através do circo e tinham uma veia prioritariamente espontânea e de improviso, mais ainda se pode dizer desta naturalidade em Antônio Carlos Gomes. O gosto pelo samba, pela bebida, pelos dizeres invocados e a paixão pelo Flamengo eram reais. Mussum vivia na tela o que vivia nos palcos de asfalto, nas mesas de bar e nas arquibancadas. O próprio apelido sugeria uma maneira lisa e escorregadia de escapar de enrascadas, característica do peixe que inspirou Grande Otelo nesse batizado.

Quando Wilton Franco o convidou para participar do programa ao vê-lo numa boate Mussum estava vivendo como gostava. Tomando “mé”, cantando, brincando e tocando reco-reco com seu conjunto musical “Os Originais do Samba”, cujo repertório dava conta de sucessos históricos do gênero e estendia os braços ao balanço inovador de Jorge Benjor. Recusou a empreitada porque considerava que “pintar a cara”, coisa comum na arte cênica, “não era coisa de homem”. Mas Dedé o convenceu e o resto já está na história. Mas uma história que ainda precisa ser melhor contada é a das músicas interpretadas pelo “Mumu da Mangueira”, como ele se vangloriava!

A Vizinha [Pega ela peru] (samba, 1980) – Paulinho Durena e Alfredo Melodia
Boteco armado, Tião Macalé no posto de garçom, o grupo “Fundo de Quintal” em sua primeira formação, com direito a Jorge Aragão e Ubirany no quadro, Mussum não dá trela para a formalidade e esbanja categoria nesse samba onde o tema próximo de sua realidade favorece a interpretação, que permite o improviso, as gafes, os cacos, tudo ao estilo livre, leve e solto do artista. Com letra de Paulinho Durena e Alfredo Melodia foi gravada no segundo disco solo de Mussum, “O Descobrimento do Brasil”, em 1980. O tema da vizinha que ofende o vício na bebida da outra e o sururu armado é um prato cheio para o sambista, melhor, uma garrafa que ele logo esvazia. E pode descer outra, já!

Because Forever (samba, 1986) – Mussum e João Nogueira
Numa das raras intervenções de Mussum numa letra de música ele prova, mais uma vez, que sua figura na vida e na arte se misturava, era uma só. O texto bem caberia num quadro dos “Trapalhões”, e na feliz parceria com o renomado João Nogueira, Mussum dá uma lascada de primeira nos bons costumes e provoca com o duplo sentido que a inflexão da palavra e seu próprio som induzem. Afinal de contas “no carnaval do ano que vem/do jeito que a coisa vai, meu bem/vai sair todo mundo nu/sambando e remexendo o córpis/eu disse o córpis”, faz ele questão de ressaltar! Pode arranjar uma pindureta, quem entendeu, entendeu, quem não entendeu, pindura mais! A música foi gravada no último disco solo do artista, em 1986, cuja canção em destaque deu o título.

Água Benta (samba, 1978) – Ratinho e Sombrinha
Um dos méritos do grupo “Os Trapalhões” era rir dos estereótipos que eles próprios representavam, fazendo troça não do outro, mas de si. Em seu disco de estreia como artista solo, após uma longa jornada como integrante dos “Originais do Samba”, onde se habituara a soltar a voz e comandar o reco-reco, Mussum escolheu um samba de Ratinho e Sombrinha, intitulado “Água Benta”. Com participação de seu “estepe”, como diz Alcione, e da madrinha do samba que o humorista carinhosamente chama de “comadre”, a canção lançada em 1978, traz uma óbvia ironia que só poderia estar contida na boca de Mussum. Afinal o “Mumu da Mangueira” cantando uma canção chamada “água benta” já é motivo suficiente para muita risada, festa e “mé” à vontade! Só “mais uma beiçada”, diz o próprio!

Alô, Judite! (samba de gafieira, 1978) – Almir Guineto e Luverci
Com um instrumental de primeiríssima qualidade, com orquestra e tudo, Mussum registra em seu primeiro álbum, de 1978, a música “Alô, Judite!”, dos amigos Almir Guineto e Luverci. Ainda no campo do humor, só que de maneira menos debochada e mais suave, o artista faz uma brincadeira com o deslumbramento da Judite da letra, que adentrou ao “dog society”, “tratou da celulite” e “ofusca a luz da Light”, e, pasmem, quem diria, está até “usando modelos do Clodô”, referência bem humorada ao estilista, à época no auge, Clodovil. Esse samba de gafieira mostra não só a veia cômica de Mussum, mas também as qualidades do ator, músico, e até uma certa preocupação social, ainda que disfarçada sob a égide da ironia, talvez a melhor maneira de modificar o mundo sem cair no aborrecimento.

Malandro Quilomba (samba, 1978) – Ary do Cavaco
Mussum remonta a um motivo histórico na interpretação do samba de Ary Cavaco registrado em seu LP de estreia, no ano de 1978. “Malandro Quilomba” é uma volta às origens, às raízes que formaram o sambista, torcedor de arquibancada, mangueirense fanático, e apreciador das belezas da vida, como o “mé”, a mulher e o cigarro, Antônio Carlos Gomes no humorista Mussum, conhecido do grande público pela risada alarmada, por invocar-se atoa, pelas palavras criadas e imortalizadas no dicionário dos grandes bordões populares, mas um artista sensível, sobretudo, cuja alma alegre e o bom coração espalharam-se através de quadros, esquetes, piadas, feitas para alegrar as crianças, os velhos e os moços. Feitas para adoçar esse mundo de briga e de bronca. “Pois brigar não é pra mim/(…)Eu sou um crioulo original/meu negócio é folia/futebol e carnaval”, avisa Mussum. Cacildis, vamos rir com vontade!

Mussum-Musica

Raphael Vidigal

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]