Crítica: peça “Toda Nudez Será Castigada”, com montagem da Cia. Arlecchino, mantém poder de fogo do texto de Nelson Rodrigues

“Só os profetas enxergam o óbvio!” Nelson Rodrigues

Toda Nudez - Alexandre C Mota

O texto de Nelson Rodrigues da peça “Toda Nudez Será Castigada” prevalece na montagem da Companhia Arlecchino, apresentada no Cine Brasil como uma das atrações da 40ª Campanha de Popularização do Teatro e Dança de Belo Horizonte na última sexta-feira (24). Encenada pela primeira vez em 1965, sob a direção de Ziembinski, mantém o poder de choque e desconforto sobre a platéia, em cenas que falam e apresentam uma visão cínica e debochada sobre o sexo, a religião e a família, o que leva a uma reflexão de quanto a sociedade mudou daqueles tempos para cá ou se o alvo do dramaturgo permanece inalterável: a hipocrisia e a obsessão do comportamento humano.

As máximas proferidas por Paulo Rezende, o intérprete de tio Patrício, alter ego de Nelson responsável por desmanchar qualquer convenção e alimentar o circo de fogo, e o desenrolar da história em si, pendendo para o absurdo à medida que o final se aproxima, além da habilidade em dramatizar ao grotesco as situações a partir de frases que mais as ridicularizam e tornam banais, com referência a cuecas, talco nas meias, gravata preta, e etc., servem ao intento do autor de traduzir o quanto sofrimento, prazer e morte podem reverberar na vida das pessoas de diferentes maneiras, basta um olhar ou necessidade, não estando ninguém atrelado a limites que não os do próprio corpo e pensamento.

Numa das cenas mais sensíveis do espetáculo, Bruno Leonel, que vive o filho Serginho, aparece livre, leve, solto e serelepe enquanto toma o banho dado por suas três solteironas e carolas tias, as ótimas em cena Juçara Costa, Angélica Pedrosa e Jacqueline Francisco, ao que a toalha sobe e depois abaixa novamente aparece agora de terno, gravata e paletó o austero e triste Amauri Reis, na pele do protagonista Herculano, que caminha para o casamento como o boi ao matadouro, e propõe a reflexão do quanto separa o sagrado do profano, o respeitável e aceito do reprimido e da vergonha, ainda mais quando o diretor Kalluh Araújo poetiza e animaliza com a mesma naturalidade o sexo.

A iluminação e o figurino, mas principalmente o cenário, também de criação do diretor, valoriza o que está sendo dito no palco e ajuda a criar o clima ora claustrofóbico outrora de luxúria, sem nunca perder de vista a tensão do embate, afinal todos os personagens lutam não apenas contra as regras sociais e dos bons costumes, mas a natureza humana que embora pregue para si um ideal de pureza não resiste à degradação do tempo, da carne e de algum instinto que parece propor mais o caos do que a harmonia. Merece aplausos a seleção musical, de Waldick Soriano a tema em espanhol. Individualmente o protagonista Amauri Reis se destaca no tom ridículo da personagem, enquanto à Cléo Carmona falta sutileza na composição da prostituta Geni.

TodaNudezSeraCastigada_Divulg

Raphael Vidigal

Fotos: Alexandre C. Mota; e divulgação, respectivamente.

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6 Comentários

  • Ainda bem que eu já tinha visto o espetáculo, Raphael Vidigal. Pois sua matéria, apesar de muito boa, entrega uma das parte mais legais da peça, que é o momento em que a toalha é baixada!!!

    Resposta
  • Realmente um excelente espetáculo. E foi ótimo assistir também à reação do público. Um público absolutamente diverso do que frequenta normalmente os teatros. E que aparece durante a Campanha de Popularização. Muita coisa a pensar sobre a forma como receberam e reagiram às situações rodrigueanas.

    Resposta

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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