“Já que não conseguimos amar-nos uns aos outros, por que não tentamos amar-nos outros aos uns?” Quino
Dizer que o estilo autodenominado sertanejo (em alguns casos, universitário) colocou Goiás no mapa da popular canção brasileira, soa injusto. É inegável a quantidade de duplas estridentes, com refrões amargos, a emanarem da região. No entanto, é bom um exercício histórico.
Muito antes de Jorge & Mateus, surgira Zezé di Camargo & Luciano. E ainda antes deles, em tempos, hoje, remotos, despontou por aquelas bandas, com o preconceito da intelectualidade contra a cara, um tal Odair José, a cantar pílulas anticoncepcionais, prostitutas e empregadas.
No primeiro lote dessa lotação, é bom lembrar, quem abriu porteiras e portas emperradas foi o passional Lindomar Castilho, que cometeu crime contra a própria esposa, e ao confundir mentira e realidade, empostou arma dilacerante disposto da mesma raiva com que bradava a plenos pulmões no microfone. Não resistiu aos boleros da vida, e terminou julgado e preso. Embora hoje, após cumprir a pena imposta, goze da liberdade.
Mais adiante, no início da década de 80, o irregular Léo Jaime contou debochadamente as peripécias de uma trajetória regada a sexo, drops e rock’ n’ roll. Foi um dos principais nomes do movimento, e não por acaso, tornou-se galã de filme, além de estrelar peças no teatro, televisão, e assinar crônicas num diferente momento da carreira. Além do deboche e dos inseparáveis óculos escuros, a garantir-lhe pinta de conquistador, Léo tem em comum com os outros o tema romântico.
Indiferente da sonoridade com que revestiram o repertório, os três citados, de Odair a Lindomar, passando por Léo, foram defensores ferrenhos da genuína composição de amor e ódio, aquela que entre tapas e beijos revela os colírios e cóleras de muitas noites. São canções desapegadas, ora extremas, noutra irreverentes, mas presas ao sentimento supremo do amor, enfim.
O que Jorge & Mateus, a dupla de empresários que volta ao topo das paradas tem a ver com esses três? Nada, absolutamente. Apenas o fato de pleitearem para si terreno em que caminham abonados, desprovidos de um tostão de espontaneidade e talento, ao improvisarem, cheios de pose, “clássicos radiofônicos”, cito de orelha: “O Que É Que Tem?”, “Eu Quero Só Você”, “Duas Metades”, “Pra Quê Entender?”, “Efeitos”. Sigam nesse cavalo de parque, eu vou ao encontro dos baios.
Raphael Vidigal
1 Comentário
Muito bem escrito, uma pena que os fãs do sertanejo jamais vão entender.