“A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce.” Ângelo Silésio
Rude João Batista. Do Vale, donde emergem misérias amarelecidas. Que o tempo não carcomeu, pois Carcará se enganchou sobre vestes rasgadas, com olhos de furar o sol. Profeta do norte, repentista sem pátria. Cabeça na bandeja de palha. A ema gemeu quando esqueceram teu parto.
Tal retirante legou em cada canto um aviso, gemido, burburinho. Num arrasta-pé sem vergonha, com muita alegria. Nutrido à carne escassa, seca mandioca, picardia. Mas se dança e belisca numa danação arredia, pouco tímida, que lança e provoca enquanto espia. Malícia de ventre em véu, sem amarras nem covardias.
O segredo do sertanejo ninguém explica. Convide Coroné Antônio Bento e pesque uma isca. Só dando com o peba na pimenta pra suportar terra assim ardia. Sorriso bronco branco asseado. Casca escura de fina usura.
Assim pesado, fruto de todos os pesares, maldizeres, apertos, segura a pena com delicadeza e percorre com anjos nos pés a asa do vento, emaranhando-se na teia da aranha, se lambuzando com o mel da abelha.
As Pedreiras do Maranhão te criaram para o mundo. E a cachaça de todo dia, o suor escorrendo na testa, encontrando o peito de pêlos, grudaram com tanta força em teu corpo que não posso dizer se não te perderam, ou foste tu, João, que não largou da mão deles.
Dos teus irmãos, à beira do palco no teatro Opinião, distantes, repudiando as demonstrações de desafeto dos donos da panela, eximindo de culpa os que cozinham nela, pois já trazem tantas cruzes e tantas velas acesas. Visões de um Cego Aderaldo a espalhar correntes? Talvez a sina do irmão sem berço Patativa, nos braços de Assaré?
Importa como o pássaro foi capturado? Como se lhe arrancou os dentes? Ou como o coração cuspiu as entranhas? Tu és barro levado ao fogo por Mestre Vitalino, “puro”, como diz Chico Anysio. Transformação divina. Porque as flores são tão bonitas jogadas ao chão e tão distantes jogadas no vento.
Fulô caída no chão precisa de pés esgarçados, estrela no céu é miúda e brilhante. Mas não iluda, João, não iluda. Tua espera é realidade. Nossa miséria, nossa fome. Que na tua morte, sejamos menos ingratos.
Raphael Vidigal
Publicado no jornal “Hoje em Dia” em 6/12/2011.
4 Comentários
Muito bom, bom demais na verdade
Eu é que me orgulho por ter
você como sobrinho.
Grande bênção do Céu!
Eduardo leu agora mesmo
João do Vale e como sempre,
ficou estupefato com seu
estilo ímpar.
Ainda estou tonta sem beber
há 11 anos, mas vai passar,rsrs.
Mais beijos,
Que beleza, Raphael! O João do Vale precisa ser lembrado, sempre!! Grande abraço!!
Como sempre, Vidigal, arrebentando nesse belo texto relembrando o nosso velho carcará. Salve São João do Vale!