“E, por mais que procure até que adoeça,
Já não encontro a mola pra adaptar-me.” Fernando Pessoa [Álvaro de Campos]
Na primeira quarta-feira do mês de agosto desse ano, a cantora Leny Eversong, dona de uma das mais potentes vozes que o Brasil já teve, teria completado 90 anos de idade. Leny, que nasceu Hilda Campos Soares da Silva, começou a carreira aos 12 anos, cantando no programa “A Hora Infantil”, na Rádio Clube de Santos, cidade onde nasceu.
Demonstrando desde o início seu enorme talento para interpretar foxes estrangeiros, Leny logo passou a ser chamada de Hildinha, a “Princesa do Fox”. Pouco tempo depois, ela deixaria para trás o nome em português, mas não abandonaria as canções estrangeiras, passando a se especializar também em outros ritmos como jazz, bolero e blues. Ela, que não falava nada em inglês, anotava na mão a pronúncia das palavras e era proibida por seu empresário de dar entrevistas fora do Brasil, arriscando no máximo alguns “all right´s” e “ok´s”.
A partir da metade da década de 50, Leny começou a receber convites frequentes para se apresentar anualmente em Las Vegas e fazer shows pela Europa, já que a essa altura também cantava (e muito bem) em outras línguas, como italiano, espanhol e francês, e tudo isso sem saber falar o idioma.
Apesar da enorme fama da qual já desfrutava no exterior, Leny nunca obteve no Brasil o reconhecimento que lhe era devido, e gravou poucas vezes em português, numa dessas tendo feito registros históricos de músicas que seriam sucesso mais tarde na voz de Elis Regina, a exemplo de “Aleluia” (de Edu Lobo e Ruy Guerra) e “Arrastão”, a música que lançou Elis no Festival da Canção, composta por Edu Lobo e Vinicius de Moraes.
No início da década de 70, quando seu marido desapareceu e foi morto pela ditadura militar, cuja versão oficial dava conta de que ele teria sido sequestrado por traficantes que o confundiram com seu filho (mais tarde ele seria preso acusado de envolvimento com drogas), Leny não quis saber mais de música e se refugiou por um tempo na casa do amigo e cantor Agnaldo Rayol.
Conhecida por sua figura gorda e loura e a voz que alcançava tons extremos, Leny ficou deprimida, teve diabetes e raramente apareceu em alguns programas televisivos. Nunca mais gravou um disco. Aquela figura alegre, expansiva, que falava alto e comia muito já não existia mais.
No dia 29 de abril de 1984, Leny morreu aos 63 anos, e sua voz desapareceu definitivamente.
Entre seus maiores sucessos estão Jezebel, gravada por ela em 1956, Summertime e St Louis Blues, sucessos em inglês gravados em 1957. Além disso, a intérprete foi responsável por lançar o cantor Juca Chaves, ao gravar uma música sua quando ele tinha então 16 anos, e ajudou Cauby Peixoto no início da carreira.
Hoje em dia, ainda é possível encontrar seus discos sendo vendidos pela internet por preços que variam entre R$80 e R$150 e, em 2007, o jornalista e produtor musical Rodrigo Faour lançou uma coletânea de Leny Eversong através da série Grandes Vozes, editada pela Som Livre.
Leny Eversong tornou-se artigo de colecionador, raridade, mas sua voz poderosa, afinada e límpida é a prova maior do valor de uma cantora de inquestionável qualidade.
Raphael Vidigal
Publicado no jornal “Hoje em Dia” em 19/09/2010 e lido na rádio Itatiaia em 05/08/2012 por Acir Antão.
9 Comentários
Boa, tive um LP duplo de Leny Eversong há anos….Acabei perdendo com o tempo. Vozeiraço que o Brasil não conhece.
Que história triste. E que voz bela.
Obrigado pela lembrança de minha adorada Mãe.Apenas uma correção Ela não teve as duas pernas amputadas, graças a Deus, apenas o dedinho do pé, que não chegou a ser amputado.Morreu de uma crise geral, pois sofria alem da diabetes, problemas cardíacos, e uma pressão muito alta.No ultimo dia que falei com Ela na UTI, queria que eu a tirasse de lá.Estava com alucinações.Na madrugada.se foi.Quando cheguei tive a notícia da morte.Ela estava sofrendo muito.Foi para Deus.Amem.
Felicidades,um grande abraço.
GOSTARIA DE SABER E VER MAIS SOBRE ELA !
Agradeço, de coração, a todos que comentaram, mantendo acesa a lembrança de Leny Eversong! Grande cantora. Minha primeira publicação no jornal mineiro, ‘Hoje em Dia’. Abraços
Bela matéria, Raphael! Queria sugerir uma matéria sua em homenagem ao nosso querido Marku Ribas, que, infelizmente nos deixou neste sábado. Ele foi um grande músico mineiro que deixou um legado fantástico! Um músico excepcional que teve uma carreira brilhante! Além de um grande amigo! Fica a sugestão. Beijos.
Neste país sem memória, parabéns pela lembrança desta grande cantora, inigualável. Matérias como esta são um serviço à história da música no Brasil. Muito obrigado.
Assisti ao documentário sobre Leny Eversong no Canal Curta na noite de ontem e fiquei profundamente comovido. Lembrei-me dela no tempo de minha infância. Foi marcante e vibrante até o início da bossa nova que passou a privilegiar vozes “abatidas” como de Nara Leão ou apenas afinadinhas como a de Gal Costa. O rádio já era e a triste sina de sua família quebrou-a inteiramente. Pobre e sem ter onde morar foi-se doente e quase esquecida. Que bom esse blog da Esquina Musical, que bom existir aquele documentário de ontem à noite na tevê. Bom mesmo, pois os tempos atuais são de uma pobreza musical de fazer doer até os dentes!
O marido de Leny foi morto pela ditadura militar! Seus ossos foram descobertos entre os trabalhadores sindicalizados mortos pela ditadura.