Entrevista: Otto

“O que se percebe não é nada, comparado com o que se imagina” Bachelard

The Moon 1111

Embora o homem tenha pisado na lua há mais de 40 anos, o acontecimento ainda é visto como futurista. As praças do planeta Terra se preparem. Elas serão invadidas pelo som alucinante e maciço do cantor, compositor e percussionista Otto no dia 11 deste mês.

Exatamente três anos se passaram desde que o filho de Pernambuco, “natural do Agreste, em Belo Jardim”, como ele mesmo diz, acordou de sonhos intranquilos (‘Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos’, álbum lançado em 2009) ocultos na lente do escritor austro-húngaro Franz Kafka para emergir a bordo duma temperatura capaz de queimar livros, a Fahrenheit 451, “em direção ao futuro”, afirma.

INSPIRAÇÃO
A inspiração para o novo disco, “The Moon 1111”, pela gravadora Deck, aparece não apenas no romance de ficção científica do americano Ray Bradbury, transformado em filme no ano de 1966 – 3 anos antes da viagem espacial de Neil Armstrong, morto em agosto aos 82 anos – pelo cineasta francês François Truffaut, um dos ícones do movimento conhecido como ‘Nouvelle Vague’, responsável por revolucionar certa concepção de estilo na sétima arte.

O músico entrevistado, que se apresenta na cidade no próximo dia 24 do mês, pelo “Bh Music Station”, na estação Vilarinho, também propõe revoluções ao amotinar os conceitos presentes na obra do grupo inglês de rock psicodélico Pink Floyd a Odair José, Axé Music e Fela Kuti, o instrumentista nigeriano recentemente celebrado em evento na capital conhecido por ‘Fela Day’.

CONCEITO
Otto conceitua o novo álbum, urdido por muita eletricidade e percussão a partir de ilações peculiares. “Gosto de transigir à luz de velas. Resolvo minhas questões existenciais a partir da arte, da reflexão”, sublinha.

A busca por uma sonoridade percussiva próxima à de Fela Kuti uniu-se à “inacreditável força que o Fernando Catatau é capaz de extrair de uma guitarra”, afirma o músico. Enquanto o Pink Floyd aparece no disco “pelo interesse como gênero”. “Vejo que o futuro está cada vez mais próximo e palpável. Nesse sentido a música liberta e possibilita essa facilidade de encontro entre tudo e todos”, considera.

BREGA
Não por acaso o autor do sucesso da década de 1970, ‘Pare de tomar a pílula’, encontra o abrigo e afeto de Otto, ao ter a música ‘A Noite Mais Linda do Mundo’ regravada: “Odair José tem obras lindas, ele é um Roberto Carlos do cabaré!”, enfatiza. “As coisas mais tocadas no mundo são sempre renegadas. O que dói não é o nome ‘brega’, mas sim o preconceito de algumas pessoas que adoram música estrangeira sem entender uma palavra”.

Otto não é, no entanto, esses ‘caetanos’ a elogiarem tudo com um tom divino e tão maravilhoso: “Claro que existe música brega rasgada, mal feita, como existe o rock”, declara ao repercutir o rótulo das canções.

RAIZ
Os movimentos que dissipam e aconselham águas monótonas a se associarem ou nunca mais esbarrarem seus bigodes brancos são delineados pelo radical integrante de música entusiasta dos preceitos artísticos: “Não podemos abnegar a cultura popular, a música dita brega está na raiz do samba, da Jovem Guarda, da gafieira”.

Exemplos de nomes admirados não faltam na agenda a tiracolo do compositor: “Agnaldo Timóteo, um homem de uma voz fantástica, o carimbó que é o baião a atravessar a fronteira do Pará e se transformar no Calypso, sem citar o Reginaldo Rossi, um dos mestres do nosso melhor cancioneiro”, define.

E completa o pensamento ainda saltitante utilizando-se de equiparações nada óbvias: “Creio num avanço muito grande, na abertura de um espaço para essas contribuições desde os tempos do Wilson Simonal, passando pelos ‘Tribalistas’, que todo mundo só não diz que é brega por causa da Marisa Monte e do Arnaldo Antunes”, afirma em simpáticos berros e risadas incontidas, até chegar em “Tulipa Ruiz, Céu, Curumin, todo mundo surfa nessa onda”, diz.

AXÉ
Rebelde, inovador, ousado, são adjetivos cabíveis de se colarem à etiqueta multirracial e colorida do invariável Otto, este que no recente disco dita um mandamento da camada mais rala da Axé Music à canção intitulada “D.P.” referência ao ato sexual de dupla penetração: “Coloquei o verso ‘chupa que é de uva’ para enganar os incautos, em busca do contraditório.”

Surpreender o ouvinte e atenuar o peso de certas palavras e assuntos tabus é a intenção do cantor. “Você pensa que é uma coisa e quando entende, é outra. É no sentido de ‘agora engole porque se equivocou’”. E prossegue a explicação de maneira sóbria e filosofal: “são temas que num imaginário geral podem soar feios, impróprios, mas são extremamente românticos”, dita com incontrolável torpor na voz.

Ainda sobre a canção, Otto vai mais longe: “É uma brincadeira, uma história cômica do encontro entre dois desodorantes, um seco e um molhado. Mas não se prendam ao sentido sujo do mundo, a vida pode ser bem sublime se olharmos de ângulos suspeitos, no entanto inteligentes”, apregoa.

POLÍTICA
Imiscuindo-se no campo da política, Otto diz ver com bons olhos a ascensão do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, como um dos prováveis candidatos à disputa presidencial em 2014: “Me parece uma boa alternativa, assim como o Aécio Neves, aí de Minas. Ambos vem de famílias politicamente democráticas, com ideias arejadas, governos bem avaliados pela população. São opções naturais, por contarem com o apoio da juventude e prezarem a liberdade”, diagnostica.

A respeito da eleição de Fernando Haddad como prefeito de São Paulo, o ex-integrante do grupo de rock Mundo Livre/SA, vértice do movimento ‘Manguebeat’  tece um parâmetro amplo: “Será um desafio para o PT, um partido com base e força em São Paulo que retoma o poder após um tempo afastado. É um aviso para o PSDB abrir o olho para as questões do Brasil e deixar de ser retrógrado. Todos esses três (Haddad, Eduardo Campos e Aécio Neves), mesmo os dois últimos  sendo participantes de uma suposta oposição têm bom trânsito com o (ex-presidente da República) Luiz Inácio Lula da Silva”, finaliza.

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Raphael Vidigal

Publicado no jornal “Hoje em Dia” em 07/11/2012.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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