90 anos de Jaguar, o cartunista/chargista que nunca soube desenhar

*por Raphael Vidigal

“Em tudo porém apenas um sentimento: nenhuma saída.” Franz Kafka

Ácido, cínico e desesperançado. Esse é o mundo que aparece sob as lentes de Jaguaribe, que, como todos sabem, não é nome de cartunista, o que o transformou em Jaguar, por sugestão do colega de redação e também desenhista Borjalo. Só que Jaguar nunca soube desenhar, em suas próprias palavras. No instituto que frequentou, foi obrigado a ilustrar um busto de Voltaire, e acabou expulso ao colocar uma mosca no nariz do filósofo francês.

Esse episódio retrata bem a visão de Jaguar. Não há pose que resista à realidade, essa coisa mórbida e vazia com a qual temos que nos virar. Com tanto ceticismo, ele não se faz de rogado na hora de espinafrar Deus e o mundo, brindados com doses cavalares de seu humor despótico. A pancada que ele desfere contra o alvo não faz rodeios, é bem no meio das pernas. Tampouco seu traço prima pela sutileza, e é quase bruto, rústico, nada solene.

Dizer que Jaguar é único chega a ser redundante. Todos nós somos. E ninguém em especial. Mas, no caso, o sujeito nasceu no dia 29 de fevereiro. Algo para poucos, aí sim. No Rio de Janeiro, iniciou a carreira na revista Manchete, trabalhou no Banco do Brasil, subordinado a Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que o desencorajou a seguir a carreira humorística. Acertos e erros. Com uma coleção de equívocos do porte da história brasileira, Jaguar construiu a sua carreira em publicações como “O Pasquim”, um marco.

No dicionário, “pasquim” significa “jornal difamador, folheto injurioso”, e foi por esse motivo que o cartunista Jaguar sugeriu o nome para batizar o semanário, fundado em junho de 1969, do qual ele faria parte ao lado de nomes como Ziraldo, Tarso de Castro, Millôr Fernandes e Sérgio Cabral, pai do ex-governador do Rio de Janeiro, preso desde 2016. A ideia de Jaguar era se defender antecipadamente de prováveis críticas, além da evidente ironia. Para a história, “O Pasquim” se transformou num dos principais ícones da resistência ao regime militar (1964-1985), aliando humor, política, crítica social e de costumes e passou a ser sinônimo de uma imprensa livre e independente.

Preso pela ditadura, Jaguar passou três meses em cana, até ser solto no réveillon de 1970. Nunca se dobrou a censuras, fazendo antes uma saída pela inteligência, com a elasticidade desta. A vulgaridade do abismo político do país jamais mereceu de Jaguar contemporizações, muito antes pelo contrário, como diria o outro. Afinal de contas, se a existência é essa coisa feia – e macabra, muitas das vezes – o desenho de Jaguar se ajusta como um tailleur a ela. A seu favor o fato de que suas críticas permanecem firmes como a flacidez humana. Triste é que o bissexto Jaguar só apareça de quatro em quatro anos…

Foto: Luciana Whitaker/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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