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CHUTES DE POETA
NÃO LEVAM PERIGO À META” Paulo Leminski
Que o futebol está na gênese da cultura miscigenada do brasileiro, eis uma ausência de novidade, porém que esta influência e transformação foi reportada e contada em livros por nossos maiores e melhores autores do gênero, e fora dele, inclusive, pode constituir alguma informação, se não de surpresa, ao menos reveladora. Afinal de contas se o drible, especialmente alguns deles, e lances geniais inventados por nomes como Didi, Garrincha, Pelé, Tostão, Sócrates, Manga, e outros, tais como a “folha seca”, o “elástico”, o “drible da vaca”, o “lençol”, e o “gol de placa” constituem para muitos entendedores e apaixonados verdadeiras obras de arte, mais certo ainda é que se o lugar de origem do esporte mais amado pelos brasileiros é o campo, ele também dá a suas canjas no cinema, na música, nas artes plásticas, no teatro, na dança e, porque não, no terreno fértil da literatura.
O Negro no Futebol Brasileiro (reportagem histórica, 1947) – Mário Filho
O irmão de Nelson Rodrigues, que o apelidou de “o criador de multidões”, e que dá hoje nome ao mais emblemático estádio de futebol brasileiro, popularmente conhecido como Maracanã, palco carioca de duelos inesquecíveis entre as equipes locais e do mundo inteiro, prestou papel fundamental para a história do jornalismo e, sobretudo, no resgate e valorização da importância do negro na cultura futebolística nacional. Lançado em 1947, Mário Filho desamarra, com esse farto e impressionante relato, os preconceitos ainda vigentes em sociedade pautada pela imposição de classes. Fica claro, como no samba, na capoeira, e em outras qualidades aderidas à nossa miscigenação, o quanto o suingue do negro tem a ver com o modo de praticar o esporte aqui estabelecido. Sem falar em Pelé, nosso atleta do século.
Estrela Solitária (biografia, 1995) – Ruy Castro
Um dos mais controversos e apaixonantes personagens do futebol brasileiro teve a sua vida dentro e fora dos campos destrinchada pelo jornalista Ruy Castro, na biografia que ficou conhecida e reconhecida como uma das melhores do gênero. Pela fartura de material, a minúcia de informações, a escrita precisa e temperada do autor e, principalmente, pela história em si que relata, “Estrela Solitária” é digna dos elogios imputados. Em 536 páginas conta-se a trajetória de Garrincha, o “anjo das pernas tortas” cuja imediata empatia com o público brasileiro tem a ver com a capacidade de transformar a precariedade em exuberância, e a maneira lúdica com que encarou toda a vida. Garrincha encarna ainda o herói martirizado, que vai do apogeu à ruína, da glória ao desastre, com episódios envolvendo nomes emblemáticos da nossa cultura, como a cantora Elza Soares, com quem protagonizou tórrido romance.
Quando é dia de futebol (crônicas, 2002) – Carlos Drummond de Andrade
Ainda pouco conhecido, o livro “Quando é dia de futebol”, lançado de maneira póstuma em 2002, revela faceta menos reconhecida do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, considerado por muitos dos pares o maior no ofício. Eis aí a grande esmeralda, descobrir a maneira poética com que o autor percebia um dos esportes mais populares em seu país, a partir de crônicas que escreveu, sobre o assunto, para os jornais “Correio da Manhã” e “Jornal do Brasil”. Evidente que a característica fundamental da obra de Drummond se faz presente, afinal para ele havia poesia em tudo o que via. Desse prisma, passamos também a encarar o futebol doutra maneira, menos céticos e intolerantes, mais disponíveis e envolvidos por sua capacidade de encanto.
Raphael Vidigal
Imagens: Arquivo; e caricatura de Lan da Seleção Campeã Mundial em 1970, respectivamente.