“Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola.” Nelson Rodrigues
Não é de hoje que a expressão “pintura” juntou-se ao esporte mais popular do país. Assim como “gol de placa” que, dizem, teria surgido de mais um lance genial do atleta do século, Pelé, ao anotar tento consagrado com a devida homenagem. Por essas também, e, sobretudo pelo drible, artifício capaz de desconcertar o adversário e provocar êxtase na torcida, o futebol é considerado e aclamado em sua plasticidade, donde se extraíram inovações como a “folha seca”, o “drible da vaca”, o “elástico”, a “caneta”, além das defesas de mão trocada e tantas outras praticadas por aqueles que evitam o momento maior do futebol, de maior alegria, o gol. Assim, o futebol provocou e inspirou imagens marcantes capturadas pelas lentes fotográficas, mas, também por artistas do traço, da pintura, que apresentamos agora com suas peculiares visões do jogo.
Futebol em Brodósqui (pintura, 1935) – Cândido Portinari
Cândido Portinari, um dos mais talentosos e respeitados pintores brasileiros de todos os tempos, no Brasil e no exterior, reverenciado por alguns modernistas, concebeu, em 1935, o quadro “Futebol em Brodósqui”, pintura que remete à infância do artista na cidade do interior onde nasceu e reserva à atividade o espírito lúdico de sua descoberta e dos primeiros anos. Com os traços habituais e característicos do pintor, retrata-se o conhecido futebol de várzea, em que a precariedade de recursos é substituída pela invenção e criatividade. É em meio a vacas, próximas de paus, pedras e cemitérios, que as crianças brasileiras de Portinari improvisam o jogo de expressivo apelo popular cultural.
Futebol (pintura, 1936) – Rebolo
Francisco Rebolo foi um artista único e diferenciado por ter atuado, antes de assumir as cores e as tintas, como atleta de futebol em São Paulo pelo Corinthians, agremiação para a qual também, aliás, estilizou o distintivo. Mas foi através da pintura a maior contribuição de Rebolo. Com o quadro “Futebol”, de 1936, para além de inovações estéticas, o artista chamava a atenção, de maneira crítica, para a realidade que imperava na sociedade brasileira e tinha seus braços também no esporte. A pintura retrata um jogador negro driblando um branco, em referência à elitização do esporte. Como tal, serviu de capa para a seminal e fundamental obra “O Negro no Futebol Brasileiro”, lançada quase 30 anos depois, em 1964, pelo renomado jornalista Mário Filho.
O Verdadeiro Sentido do Futebol (cartum, 1991) – Ziraldo
Em 1991, com a volta do semanário “O Pasquim”, um de seus idealizadores, Ziraldo, manteve o espírito provocativo e irreverente que marcara os primeiros anos da iniciativa, nos idos dos anos 1960, mais especificamente em 1969, quando a ditadura embrutecia e assassinava as mentes brasileiras e também seus corpos, lamentavelmente. Hábil em aliar humor a uma extrema qualidade gráfica, plástica e com traços facilmente identificáveis, o mineiro de Caratinga com nome incomum logo cunhou seu estilo, e foi através dele que transitou entre as histórias infantis a críticas e deboches ao universo adulto, inclusive de cunho sexual, com a mesma perspicácia, leveza e agilidade. Em cartum publicado no ano de 1991, no qual se insurge a fim de proclamar o “verdadeiro sentido do futebol”, Ziraldo ironiza e ao mesmo tempo critica as relações que a alta aquisição monetária dos jogadores tende a provocar no universo do futebol brasileiro, panorama que também traça, sob certo aspecto, divisão de classes.
Raphael Vidigal