10 sucessos da música infantil brasileira

“As Nações já tinham casa, máquina de fazer pano,
de fazer enxada, fuzil etc.
Foi uma criançada mexeu na tampa do vento
Isso que destelhou as Nações” Manoel de Barros

O universo infantil deu vários sucessos para a música brasileira

A música que versa sobre o universo infantil nem sempre é só para crianças, embora tenda a atendê-las. Ou seja, talvez, para a criança que teima em existir em cada um de nós. Afinal tudo na vida é feito para se ter alegria, voltar a brincar com a leveza e plenitude dos primeiros anos. Com essa intenção, muitos dos nossos cantores e compositores cravaram verdadeiros sucessos da música infantil brasileira no nosso imaginário popular, desde a década de 1940, passando pelos anos 1950, 1960 e assim por diante até os anos 2000. Com múltiplas abordagens, reafirmando o caráter diversificado da nação, passeamos ao sabor de Braguinha, Carequinha, Mamonas Assassinas, Os Trapalhões, Zacarias, Jô Soares, Adriana Partimpim e relembramos a infância.

Pirata da perna de pau (marchinha, 1947) – Braguinha
Tendo estudado arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, Braguinha logo se consagraria pela música, mas não abandonaria nunca a condição de arquiteto da melodia, sutilmente calculada em seus assovios que criavam personagens como a Chiquita Bacana, o Pirata da Perna de Pau, os heróis e vilões das histórias infantis e as traduções tão deliciosamente brasileiras que ele fazia para os desenhos da Disney. Braguinha nada tinha de pirata. Era um autêntico marujo do samba, que navegava com tranquilidade por aquelas águas que ele bem conhecia. Ao contrário do que dizia na marchinha, Braguinha também não tinha cara de mau. Pelo contrário, carregava na face uma expressão sempre alegre, tranquila e serena. Como se todo dia fosse mais um dia de carnaval e como se toda expressão de vida merecesse uma marchinha.

Acalanto (canção de ninar, 1957) – Dorival Caymmi
“Acalanto” é uma canção de ninar composta por Dorival Caymmi em 1957 para sua filha Nana Caymmi, que depois viria a cantá-la com ele. Com ternura e serenidade, revela o incondicional do amor paterno. Alguém a dedicar seus amores, carinhos, cuidados, para que o existir se valha.

O bom menino (canção, 1960) – Irani de Oliveira e Altamiro Carrilho
Carequinha foi um palhaço tradicional, que teve tempo de nascer no circo e ali se consagrar. Filho de uma trapezista e um acrobata que largou a batina por amor à mãe, órfão do pai aos dois anos, Carequinha foi criado pelo padrasto, que assim o rebatizou quando tinha cinco anos, ao colocar-lhe uma peruca sem cabelos na cabeça. Esta o acompanhou pelo resto da vida. Múltiplo, foi também conhecido pelo pioneirismo, e afirmava ter modificado a visão clássica da personagem. “Fiz do palhaço um herói, e não um bobo que só leva farinha na cara. Modifiquei o estilo. A intenção era fazer do palhaço ídolo e não mártir”. Condição esta que alcançou com méritos junto às crianças, seu público cativo, principalmente ao gravar, em 1960 a canção “O bom menino” de Irani de Oliveira e Altamiro Carrilho, dos inesquecíveis versos: “O bom menino não faz xixi na cama/O bom menino não faz malcriação…”.

O Porquinho (infantil, 1981) – Vinicius de Moraes e Toquinho
Em 1970, Vinicius de Moraes lançou um livro infantil baseado na trajetória bíblica da Arca de Noé. O livro conta a história dos animais que embarcaram na viagem chuvosa de 40 dias e 40 noites através de poemas bem humorados e singelos. Com o talento para manusear as palavras que ele tinha, a obra se transformou em especial da Rede Globo, exibido no dia das crianças do ano de 1980. As poesias foram musicadas por Toquinho, Tom Jobim, Paulo Soledade e outros amigos de Vinicius. E cantadas por Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina, Alceu Valença, Ney Matogrosso e outros talentos da arte do canto. Devido ao sucesso do espetáculo, apresentado no ano da morte de Vinicius, um ano depois surgiu a continuação: Arca de Noé 2, com poemas tão encantadores quanto os primeiros. E foi nessa segunda versão que o ator e compositor Grande Otelo apareceu em cena cantando “O Porquinho”, poema musicado por Toquinho com arranjos de Radamés Gnatalli. Com graça e deboche, Otelo dá vida ao porquinho esclarecido que canta com alegria pratos famosos da nossa culinária.

Planeta Doce (infantil, 1983) – Guto e Léo Jaime
No ano de 1983, Jô Soares participou do especial infantil exibido pela Rede Globo, “PLUNCT PLACT ZUM”, interpretando uma música de Guto e Léo Jaime. “Planeta Doce” não poderia ser mais propícia ao ator, que sempre brincou com o fato de ser gordo e ter uma paixão por doces. Na pele do Mestre Cuca e Rei, cantou, com o acompanhamento nos vocais, da trupe de “João Penca e Seus Miquinhos Amestrados”, primeira banda de Léo Jaime, também fundada no humor e na esculhambação. No especial, outros nomes de peso se apresentaram, em inesquecíveis performances, como Raul Seixas, “Gang 90 & as Absurdettes”, ainda com seu líder Júlio Barroso, Eduardo Dussek e Fafá de Belém. Foi uma “cantada” infantil e doce de Jô Soares.

O Trapalhão Super-Herói (infantil, 1984) – Cazuza e Frejat
No ano de 1984, o “Barão Vermelho” e Cazuza participaram de um programa e um filme com a temática infantil. Em “PLUNCT PLACT ZUM 2”, cantaram “Sub-Produto de Rock”, também incluída no “Rock In Rio” um ano depois. No filme “O Trapalhão na Arca de Noé”, primeiro em que Didi aparece sem as companhias de Mussum, Zacarias e Dedé por desentendimentos, a banda canta “O Trapalhão Super-Herói”. Com todo o seu potencial narrativo, Cazuza adere ao universo das crianças e sublinha a própria personalidade: “Não levo nada a sério, o que eu quero é pintar o sete, enfrento qualquer bicho…”.

Melô do Peru (paródia, 1989) – Mauro Gonçalves
O próprio Mauro Gonçalves, na pele do intrépido Zacarias, é o responsável por essa paródia à música “Ilariê”, na época em que Xuxa aceitava brincadeiras e não se levava tão a sério. O registro é de 1989, e flagra uma das últimas aparições da personagem. Um ano depois, Mauro faleceria aos 56 anos, em circunstâncias que a família prefere não revelar. Para as gerações que o assistiram e as posteriores, que tiveram a oportunidade de reconhecer seu legado pela assimilação que obteve, com merecimento, junto ao universo pop, fica o exemplo da alegria, da descontração, da inocência e da esperança, em sua criação da criança de peruca e gestos desgovernados. Um pouco dessas palavras tem seu melhor resumo na dança que apresenta ao final da letra.

Robocop gay (pop, 1995) – Mamonas Assassinas
Com bom humor infantil e divertido os Mamonas Assassinas logo fisgaram as crianças e as tornaram seu público cativo. A canção “Robocop gay” de Dinho e Júlio Rasec trata do tema de forma divertida e leve, a exemplo do que fazia Jô Soares nos anos 80, trazendo bom humor para o tema.

Alexandre (tropicália, 1997) – Caetano Veloso
Ao criar a personagem Adriana Partimpim, Calcanhotto também se deu a liberdade de recriar canções para o universo, à priori, infantil do seu espetáculo. Como, por exemplo, a interpretação da música “Alexandre”, lançada sob o espectro tropicalista do disco “Livro”, de Caetano Veloso, em 1997. Nesse número, a canção é de tal maneira transformada em brincadeira infantil que passam despercebidos aos ouvidos dos pais mais aflitos com uma possível homossexualidade de seus filhos, os versos que falam sobre os amores gays do grande guerreiro. A moça não perdeu mesmo a ousadia, até quando canta para a criançada, em algum fundo musical de seus óculos verde e rosa de papelão ela ainda guarda leões que solta na rua, gatinhas manhosas que guarda em casa. Ao lamber sua guitarra cor-de-rosa, em uma verdadeira encarnação feminina de um Jimi Hendrix com filhos para criar, ela traz para as crianças de todas as idades um espaço lúdico para criar, brincar, imaginar, sonhar.

Herdeiros do Futuro (Infantil, 2002) – Toquinho e Elifas Andreato
Toda máxima tem um pouco de verdade e um tanto de esperança. Não é por acaso que se deposita nas crianças as chances de um futuro melhor para o ser humano e seus semelhantes, inclusive aqueles para os quais ele olha com desdém, como a terra, a água, os bichos e as plantas. Com Elifas Andreato, Toquinho participou do projeto e compôs a música “Herdeiros do Futuro”, voltada para o público infantil, em 2002, mas que serve, como um alerta, para pessoas de todas as idades. Especialmente as que habitam este planeta sem terem com ele cuidado, carinho e amor, noções básicas de uma convivência saudável. Que no futuro essa música possa ser um retrato distante, e datado.

Palhaço Carequinha é o intérprete da famosa "O bom menino"

Raphael Vidigal

Imagens: Montagem com fotos de Carequinha, Mamonas Assassinas, Adriana Partimpim, Os Trapalhões e Vinicius de Moraes, da esquerda para a direita e de cima para baixo; e foto de Carequinha, fonte de arquivo, em 1960, respectivamente.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]