“Todo o tempo que eu viver, só me fascina você, Mangueira
Guerreei na juventude, fiz por você o que pude, Mangueira
Continuam nossas lutas, podam-se os galhos, colhem-se as frutas
E outra vez se semeia, e no fim desse labor, surge outro compositor
Com o mesmo sangue na veia” Cartola
Uma das mais antigas escolas de samba do país, a Estação Primeira de Mangueira é, certamente, a que mais recebeu canções em sua homenagem na música brasileira, e também das mais vencedoras na história do Carnaval no Rio. Fundada em 28 de abril de 1928, a agremiação comemora 90 anos em 2018 e tem, entre os seus criadores, alguns dos sambistas mais respeitados de todos os tempos, como Cartola e Carlos Cachaça, sem falar em nomes ilustres que passaram a participar de suas atividades posteriormente, casos de Nelson Cavaquinho, Chico Buarque, Beth Carvalho, Jamelão, Nelson Sargento, Alcione, Maria Bethânia e tantos outros. Como diriam bambas: e lá vai fumaça!
“Mangueira” (1935) – Assis Valente e Zequinha Reis
Bastaram menos de sete anos para que a Mangueira recebesse a sua primeira homenagem em forma de canção. Data de 1935 a música intitulada apenas como “Mangueira”, parceria do baiano Assis Valente com o carioca Zequinha Reis. Lançada pelo Bando da Lua, a música foi rebisada com sucesso por Elis Regina, Elizeth Cardoso, Carlos Galhardo, Aracy de Almeida, Célia, Zé Renato, Dilermando Pinheiro e o grupo Demônios da Garoa, entre vários outros. Seus versos iniciais são definitivos: “Não há, nem pode haver/ Como Mangueira não há/ O samba vem de lá/ A alegria também/ Morena faceira, só Mangueira tem”.
“Lá em Mangueira” (1943) – Herivelto Martins e Heitor dos Prazeres
A união de bambas da tarimba de Herivelto Martins e Heitor dos Prazeres não poderia resultar em outra coisa: um clássico da música brasileira. Foi o que os dois criaram com “Lá em Mangueira”, samba lançado em 1943 para saudar a Estação Primeira. A primeira gravação da música foi feita pelo Trio de Ouro, integrado pelo próprio Herivelto, Dalva de Oliveira e Nilo Chagas. Posteriormente, Heitor dos Prazeres foi outro intérprete da canção, que ainda ganhou registros de Zeca Pagodinho, Martinho da Vila e Os Originais do Samba. “Lá em Mangueira/ É que o samba tem seu lugar”, afirmam os versos.
“Mundo de Zinco” (1952) – Wilson Batista e Antônio Nássara
Antônio Nássara ajudou a organizar, em 1932, o primeiro concurso de escolas de samba do Rio de Janeiro. Vinte anos depois ele compôs, ao lado de Wilson Batista, um samba para Mangueira, escola que contava com sua torcida. Visualizando a história do morro, os versos finais da música são em tom de despedida e deixam clara a intenção dos compositores de exaltarem a glória do samba, os malandros e as cabrochas. Interpretada por Jorge Goulart, foi premiada como samba mais bonito daquele ano. De acordo com o jornal “Última Hora”, pela “letra inspirada, bonita e fácil de ser apanhada pelo povo”.
“Exaltação à Mangueira” (1956) – Enéas Brites e Aloísio da Costa
Assim como os estádios de futebol são conhecidos por apelidos propagados pelo povo, as escolas de samba têm os seus hinos informais. É este o caso de “Exaltação à Mangueira”, samba composto em 1956 por dois moradores do morro. Enéas Brites e Aloísio da Costa trabalhavam com cerâmica e, durante um intervalo para o almoço, compuseram o clássico que seria puxado na avenida por ninguém menos do que Jamelão, um dos grandes ícones da agremiação. Chico Buarque e Beth Carvalho também regravaram os versos, que exaltam: “Mangueira teu cenário é uma beleza/ Que a natureza criou…”.
“Fiz Por Você o que Pude” (1967) – Cartola
Fundador da Estação Primeira de Mangueira, nome escolhido em razão do pioneirismo do trânsito ferroviário que interligava a Central do Brasil ao subúrbio carioca, onde a nata do samba se encontrava, Cartola foi também o responsável por escolher as cores de verde e rosa para a agremiação, uma homenagem ao Rancho do Arrepiado, do qual seu pai fazia parte. Curiosamente, o compositor chegou a admitir em entrevista que o seu estilo de samba, mais lento e melancólico, pouco combinava com a alegria da avenida. O que não o impediu de compor a bonita “Fiz Por Você o que Pude”, em 1967.
“Sempre Mangueira” (1968) – Nelson Cavaquinho e Geraldo Queiroz
A história de Nelson Cavaquinho com a Mangueira é, no mínimo, curiosa, já que o compositor travou amizade com Cartola, Cachaça e demais bambas quando dava uma ronda no morro, pois pertencia à cavalaria da polícia militar na época. Boêmio incurável, ele deixava o serviço de lado para se divertir com os amigos que, em tese, deveria estar vigiando, sendo que num desses episódios conta-se que o cavalo escapou sozinho, deixando-o à deriva. Um dos filhos mais celebrados pela escola, Nelson retribuiu o carinho em 1968, com “Sempre Mangueira”, parceria com Geraldo Queiroz lançada por Clara Nunes.
“Sei Lá Mangueira” (1968) – Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho
Até hoje há fanáticos que não perdoam o fato de Paulinho da Viola, portelense de coração, ter criado a melodia para uma das canções mais emblemáticas em saudação à Mangueira, muito embora ele tenha feito, em seguida, “Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida” para a Portela. Hermínio Bello de Carvalho escreveu a letra de “Sei Lá Mangueira” logo após a sua primeira visita ao morro, inebriado com o que havia visto na companhia de Cartola e Carlos Cachaça. Lançada por Elizeth Cardoso em 1968, a música foi inscrita no IV Festival de Música Brasileira da Record, quando foi defendida por Elza Soares.
“Os Meninos da Mangueira” (1976) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Sérgio Cabral uniu duas de suas paixões para criar a letra de “Os Meninos da Mangueira”, uma parceria com o instrumentista Rildo Hora. Dessa maneira música brasileira e história se encontram nos versos que homenageiam as grandes figuras da escola, como Cartola e Carlos Cachaça. A canção foi lançada, em 1976, pelo cantor Ataulfo Júnior, filho de Ataulfo Alves. Dado o seu incrível sucesso, recebeu 12 regravações no mesmo ano, dentre elas as de Eliana Pittman e Jair Rodrigues. Depois, continuaria a ser cantada por Alcione, Sandra de Sá e outros. “A velha guarda se une aos meninos lá na passarela…”.
“Estação Derradeira” (1987) – Chico Buarque
Tido e havido como indiscutível poeta da música popular brasileira, Chico Buarque nunca escondeu duas de suas maiores paixões, uma no futebol e outra na avenida. Torcedor do Fluminense e da Mangueira, o compositor foi tema da escola em 1998, com um desfile que valeu à agremiação o título de campeã. Antes, em 1987, Chico havia transformado esse amor em música, através de “Estação Derradeira”, lançada no álbum “Francisco”. Diferentemente de outras canções feitas em homenagem, Chico expõe as mazelas da região, sem deixar de observar as belezas que já o encantavam desde a sua infância.
“Piano na Mangueira” (1993) – Tom Jobim e Chico Buarque
A sofisticação da música de Tom Jobim aliada à poesia de Chico Buarque se pôs a serviço da mais celebrada escola de samba em canções: a Estação Primeira de Mangueira. Desse encontro nasceu “Piano na Mangueira”, lançada por Chico no álbum “Paratodos”, em 1993. Posteriormente, seria regravada pelo próprio Tom, Gal Costa, Leila Pinheiro, Zimbo Trio, Hamilton de Holanda, Jamelão e muitos outros. A letra destaca as figuras folclóricas do morro, como o malandro que se veste de branco e chapéu de palha, e a cabrocha que “pendura a saia no amanhecer da quarta-feira”. Para completar, sobe o piano!
Raphael Vidigal
Fotos: Walter Firmo; e Fernando Maia, respectivamente.
Publicada no jornal O Tempo em 11/02/2018.
3 Comentários
Para quem gosta de Nelson Cavaquinho, ele tem nove sambas que falam de sua escola querida. No canal A Obra de Nelson Cavaquinho (https://www.youtube.com/channel/UCjgTqYpu3LQKwr7cYt9OzwQ) vc pode ouvir tudo isto e muito mais. Lá tem toda a obra do mestre, principalmente um samba lindo, com uma única gravação de 1955 por Alcides Gerardi, e que ficou praticamente esquecido no tempo. Possui versos como “Cada barraco de Mangueira é uma escola de samba / Todo barraco de Mangueira é um ninho de amor”, ouça-o em https://www.youtube.com/watch?v=wqMVfUK8IkY
Olá Aloisio, Belo texto. Eu façoparte do grupo que não ficou contente com a “não-carnavalização apresentada pela escola. No entanto, conforme você bem menciona no texto, o samba elevou, segurou e sacramentou a vitória da escola. Tendo a comunidade que tem, o hino cresceu e reverberou de uma forma que suas “ondas poéticas foram sentidas aqui de ondo moro, São Paulo. Espero que as escolas tomem como lição este princípio de valorizar este quesito as vezes colocado em terceiro plano. Que autores e não escritórios sejam valorizados nas escolhas, que as comunidades sejam ouvidas e que egos sejam deixados de lado. Valeu amigo!!! Ladislau Almeida
Como a belíssima canção “Folhas Secas”, de Nelson Cavaquinho, não está nesta seleção?