Centenários 2018: Jacob do Bandolim mudou panorama do instrumento

“Não, arco nenhum há que morda/Meu coração, fiel instrumento,
E faça mais regiamente/Cantar sua mais vibrante corda,
Que tua voz, gato misterioso,/Gato seráfico e estranho,
Em quem tudo é, como em anjo,/Tão sutil, tão harmonioso!” Charles Baudelaire

Jacob do Bandolim é autor de clássicos do choro

A última letra do primeiro nome, embora muda, já prenunciava o início musical do instrumento que ele iria tocar. Hoje, ainda se fala no seu bandolim. Há exatamente 100 anos nascia Jacob Pick Bittencourt, conhecido como Jacob do Bandolim. “Jacob toca Jacob, os outros tocam bandolim”, definiu o arranjador Radamés Gnatalli. Discípulo de Ernesto Nazareth e Pixinguinha, Jacob é, segundo o coro de entendedores do gênero como Sérgio Cabral e Henrique Cazes, “o maior instrumentista que o Brasil já teve”. Suas músicas foram gravadas por Ademilde Fonseca, Elizeth Cardoso, Zimbo Trio e outros artistas de peso. A fim de comemorar a importância da data, o músico Hamilton de Holanda prepara, para o segundo semestre, um box com seis álbuns contendo apenas canções de Jacob.

Na mesma esteira, o conjunto Época de Ouro, idealizado pelo mestre do bandolim, retoma suas atividades em nova formação, agora com a presença do violonista João Camarero. O último disco do grupo foi lançado em 2010. Para completar as festividades, o Instituto Jacob do Bandolim colocou na rede um site dedicado ao compositor (http://www.jacob100.com.br) e planeja realizar oficinas e shows para saudar Jacob. Partituras, fotos e áudios já estão disponíveis no endereço eletrônico. Ao todo, o filho de pai capixaba e mãe polonesa judia criado no bairro de Jacarapeguá, no Rio de Janeiro, lançou 12 discos, participou em outros três, recebeu 11 tributos e 17 coletâneas, além de gravar 53 compactos de 78 rotações entre 1947 e 1969, quando faleceu aos 51 anos, vítima de problemas cardíacos.

“Doce de Coco” (1951) – Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho
Para manter viva a memória da música de Jacob, o produtor e pesquisador musical Hermínio Bello de Carvalho decidiu colocar letra em choros emblemáticos do compositor, anos após o seu falecimento. Foi assim que, em 1980, nasceu a letra de “Doce de Coco”, lançada por Elizeth Cardoso, uma das cantoras mais próximas do mestre do bandolim, que dividiu disco, show e uma convivência particular de amizade com ele. Assim, o “doce de coco” do choro de Jacob é o nome carinhoso pelo qual o personagem da história chama sua amada. Nos versos líricos ele implora, pede, se humilha para que ela repense o amor dos dois. A música ganhou regravações de Ney Matogrosso, Zélia Duncan e Dominguinhos.

“A Ginga do Mané” (1952) – Jacob do Bandolim
Jacob do Bandolim era vascaíno dos mais fanáticos, e compôs para o clube do coração um choro com esse mesmo nome, no qual imitava o som de uma guitarra portuguesa. Dada a conhecida personalidade controversa do instrumentista, não chegou a impressionar quando ele compôs, com igual maestria, uma música para um ídolo do time rival: Mané Garrincha, o anjo das pernas tortas que chamava os marcadores de João. “A Ginga do Mané”, lançado em 1952, é um dos mais conhecidos choros de Jacob, que começou tocando violino na infância e, de maneira autodidata, acabou instaurando toda uma nova história do bandolim no Brasil. A música foi regravada pelos mineiros Lucas Telles e Marcos Frederico.

“Noites Cariocas” (1957) – Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho
“Noites Cariocas” foi gravado por Jacob do Bandolim em maio de 1957, com o regional de Canhoto, que o acompanhava na época. Apesar da excelência com que desenvolvia suas composições, o bandolinista ainda não vivia sua época de ouro, e acabou criando um certo rancor por Waldir Azevedo, que ocupou seu posto na gravadora Continental e obteve grande sucesso de público e crítica. Três anos depois, Jacob regravaria o choro com o acréscimo do trombone do Maestro Nelsinho. Com seu estilo levado que remete bem ao samba, a música ganhou letra de Hermínio Bello de Carvalho em 1979, com regravações de Ademilde Fonseca, Áurea Martins, entre outras. E se tornou o maior sucesso da carreira de Jacob.

“Vibrações” (1967) – Jacob do Bandolim
Em 1964, Jacob criou o Época de Ouro, conjunto de choro que se tornou um marco na história da música brasileira. O grupo era formado ainda por César Faria (pai de Paulinho da Viola) no violão de 6 cordas; Carlinhos Leite em outro violão; Dino no violão de sete cordas; Jonas no cavaquinho; e Gilberto D’Ávila no pandeiro. Trupe unida, Jacob realizou seus dois trabalhos de maior impacto: primeiro gravou “Suíte Retratos”, homenagem aos precursores da música brasileira, como Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth. Em seguida, lançou o álbum mais aclamado de sua discografia e dono de rara hegemonia entre críticos e público: “Vibrações”, de 1967, que trazia, entre outras, a faixa-título.

“Naquela Mesa” (1972) – Sérgio Bittencourt
“De Sérgio Bittencourt para Jacob do Bandolim”, assim Elizeth Cardoso anuncia a homenagem emocionada do filho jornalista e compositor para o pai bandolinista. Abatido com a partida precoce do pai, Sérgio, que também era jurado de programas na televisão, é o autor da música que se tornou um hino sobre a tristeza pela perda. A canção foi apresentada na TV Record, com o próprio Sérgio acompanhando Elizeth ao violão. Regravada diversas vezes por nomes de diferentes linhagens, como Nelson Gonçalves e Otto, e incorporada ao repertório informal dos seresteiros, “Naquela Mesa” tornou-se um clássico da canção brasileira para muito além do tempo e da própria figura de Jacob do Bandolim.

"Naquela Mesa" foi feita para Jacob do Bandolim

Raphael Vidigal

Publicada no jornal O Tempo em 14/02/2018.

Fotos: Arquivo/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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