10 músicas sobre política no Brasil

“Amigos costuma ter no partido do governo,
Mas em tempos de eleição
Decide mostrar-se contra e outros amigos encontra
Nas hostes da oposição.
Por motivo semelhante, quando esperam que ele jante
Em casa de um ministro ou
Que compareça ao banquete de alguém que esteja em manchete,
Ele come num bistrô.” T. S. Eliot

ideologia

A música brasileira, assim como sua gente, é mista e abarca uma variedade de gêneros. Dos mais diferentes tipos, passando por inúmeros trejeitos, atravessando gerações e ritmos, os compositores da terra tematizaram sobre política, de maneira crítica, panfletária, indignada ou persuasiva. O que também traz à tona outra característica rica e importante, fundamental, tanto para a música quanto para a política: a diversidade de opiniões que compõe uma democracia. Eleja o seu candidato preferido, eles desfilam com seus galardões. Noel Rosa, Cazuza, Adoniran Barbosa, Lobão, Raul Seixas, Nássara, João do Vale, Renato Russo, Arlindo Marques apresentam propostas.

Onde está a honestidade? (1933) – Noel Rosa
Logo na primeira metade da década de 1930, a música brasileira versava sobre política. E o título da canção era justamente “Onde está a honestidade?”, um samba de Noel Rosa lançado pelo próprio. Século depois, e a música continua atual, o que prova não apenas o poder de captura e síntese de Noel Rosa, como a percepção de que a crônica dos costumes nacionais não se alterou de maneira dramática dali pra cá. Ou talvez seja esse o drama. A letra não poderia ser mais precisa: “Você tem palacete reluzente/Tem joias e criados à vontade/Sem ter nenhuma herança nem parente/Só anda de automóvel na cidade/E o povo já pergunta com maldade:/‘Onde está a honestidade?’”.

A menina presidência (1937) – Nássara e Cristóvão Alencar
Em 1937, não se aventava a possibilidade de uma mulher governar o Brasil, ainda assim o gênero feminino se via presente na marchinha composta por Nássara e Cristóvão Alencar, lançada por Silvio Caldas na companhia da Orquestra Odeon. O título “A menina presidência”, era referência à disputa entre três homens ao cargo: Armando Salles de Oliveira, chamado de “seu Manduca” na letra, Oswaldo Aranha, tratado por “seu Vavá”, e Getúlio Vargas, o vencedor, na ocasião, referido como “seu Gegê”, que desejavam essa vitória como a uma mulher. A marchinha tornou-se vencedora de um concurso promovido pelo jornal “A Noite”, intitulado “Quem Será o Homem?”.

Se eu fosse Getúlio (1954) – Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti
Em 1954 a palavra “mamata” já estava tão impregnava no dia a dia dos brasileiros, e da política do país, que foi parar, com justiça, numa marchinha de Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti, que dá boa medida dos feitos de nossos representantes quando ocupam cargos públicos. “Se eu fosse Getúlio”, dava dicas ao ditador sobre como solucionar os graves problemas sociais e econômicos que assolavam a nação. Cheia de ironia e cinismo, a receita era aparentemente simples, questão de colocar os doutores e funcionários públicos para trabalhar. “Mandava muita loura/Plantar cenoura/E muito bonitão/Plantar feijão/E essa gente da mamata/Eu mandava plantar batata”.

Sina de Caboclo (1964) – João do Vale e J. B. de Aquino
Dez anos depois do suicídio de Getúlio Vargas o Brasil saía de uma ditadura e entrava em outra. Logo no primeiro ano do período de chumbo que transcorreu no país de 1964 a 1985, o compositor João do Vale lançou no espetáculo “Opinião”, de Paulo Pontes, Ferreira Gullar, Armando Costa e Oduvaldo Viana Filho, dirigido por Augusto Boal, em que contracenava com Nara Leão e Zé Kéti, a música “Sina de Caboclo”, parceria com J. B. de Aquino. Nela, os compositores se rebelam contra a exploração dos patrões ao trabalhador rural. Gravada por Nara Leão no mesmo ano, a canção apresenta, logo no início versos de força e resistência: “Mas plantar pra dividir/Não faço mais isso, não”.

Despejo na favela (1969) – Adoniran Barbosa
Não é por falta de mérito que Adoniran Barbosa é tido e havido como cronista. Além de capturar o sotaque e a prosódia específica da população paulista descendente da colônia italiana que aportou no Brasil, e da qual fazia parte, o compositor se sensibiliza com as questões mais rotineiras e diárias vividas pela população, das trágicas às cômicas, sempre com um toque de incentivo. “Despejo na favela”, de 1969, foi lançada pelo sambista Nerino Silva no compacto do V e último “Festival da Música Popular Brasileira” produzido pela TV Record. No samba, fica clara a maneira desonesta e intolerante com que os políticos brasileiros comandam as remoções dos moradores mais pobres. Em 1980, foi regravada por Adoniran em parceria com Gonzaguinha.

Inútil (1985) – Roger Moreira
Com a abertura para a democracia na política brasileira a música também se abriu para um novo ritmo, a princípio estrangeiro, mas temperado com o estilo tupiniquim de se comunicar. O rock nacional dos anos 1980 apresentou bandas e compositores com diferentes embalagens e conteúdos. Em São Paulo, um dos maiores destaques foi o “Ultraje a Rigor”, liderado pelo vocalista Roger Moreira, autor da emblemática canção “Inútil”. Além de fazer troça com a forma oral de se expressar, ignorando os plurais, ainda lançava ácidas críticas à capacidade dos brasileiros de definir os próprios destinos. “A gente não sabemos escolher presidente/a gente não sabemos tomar conta da gente”.

Que País É Este? (1987) – Renato Russo
1987 foi um ano profícuo de canções com referência à política brasileira. Nenhuma delas elogiosa. Um dos que estendeu a bandeira com maior propriedade e relevância foi o compositor e vocalista da banda “Legião Urbana”, Renato Russo. O protesto tornou-se tão simbólico que é hoje praticamente um ditado popular: “Que País É Este?”. A música aborda de forma direta e narrativa episódios de corrupção e violência na política brasileira, e ainda chama a responsabilidade a todos, antes de chegar ao início do processo que teria se dado logo na “apropriação” do país pelos portugueses, quando o autor clama aos que aqui estiveram primeiro. “Quando vendermos todas as almas/Dos nossos índios num leilão”.

Cowboy Fora Da Lei (1987) – Raul Seixas e Cláudio Roberto
Raul Seixas é um artista iminentemente político, talvez por esse poder de transformação associado à sua figura tenha permanecido com tanta força como uma figura popular e lendária. Depois de lançar vivas e efetivamente fundar os preceitos de uma “Sociedade Alternativa”, além de pregar ensinamentos cósmicos e de rebeldia, o “Maluco Beleza” lançou, em 1987, as suas considerações sobre assumir um cargo público. “Cowboy Fora Da Lei”, parceria com Cláudio Roberto, debocha, logo no início, da forma arcaica e coronelista que fundou grande parte da nossa política. “Mamãe não quero ser prefeito/Pode ser que eu seja eleito/E alguém pode querer me assassinar”.

Panamericana [Sob o sol de Parador] (1989) – Lobão, Arnaldo Brandão e Tavinho Paes
Em 1989 o compositor Lobão dispara para todos os lados no desabafo contra as maneiras truculentas e com uso da violência de se fazer política na América Latina. Na canção “Panamericana [Sob o sol de Parador]”, parceria com Arnaldo Brandão e Tavinho Paes não se alivia a barra para “os ditadores do Partido Colorado”, “os guerrilheiros de Farrabundo Marti”, “os assassinos dos índios brasileiros” ou os “fuzileiros do M – 19”, entre outros citados nominalmente ao longo da letra, que ainda conta com lembrança à histórica frase atribuída ao revolucionário Che Guevara: “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura”. Lobão endurece com um rock de batida potente e ágil.

Brasil (1988) – Cazuza e George Israel
Bem ao estilo de Cazuza, a música “Brasil”, parceria com George Israel, apresenta versos tão sintéticos quanto rascantes, um verdadeiro nocaute poético aos que se apoderavam do país em benefício próprio. “Brasil, mostra a tua cara!/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim!/Brasil, qual é o teu negócio?/O nome do teu sócio?/Confia em mim”. Após enumerar uma série de abusos e privações sofridas pela população brasileira, Cazuza deixa claro que o protesto e a indignação são, na verdade, uma declaração de amor. Lançada pelo compositor em seu álbum “Ideologia”, de 1988, foi regravada por Gal Costa no mesmo ano e virou tema de abertura da novela “Vale Tudo”.

politica-brasil

Raphael Vidigal

Imagens: capa do álbum “Ideologia”, de Cazuza; Raul Seixas desenha a ‘chave’ da “Sociedade Alternativa” no corpo, respectivamente.

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12 Comentários

  • Raphael, o assunto que você levantou é muito interessante e poderia ser tema para um livro, dado a grande quantidade de canções envolvendo a política e políticos brasileiros.
    Por teu levantamento já se nota que até os anos de 1960 as canções tinham teor humorístico, retratavam o sentimento geral da população, que extravasava seus anseios no carnaval. Talvez pela queda da popularidade das marchinhas de carnaval, os temas ficaram mais sérios e os protestos contra os desvios dos políticos mais incisivos.
    Além dos dez exemplos que você citou poderíamos acrescentar inúmeros outros, mas lembrar apenas de dois.
    A marchinha de carnaval “Retrato do velho” de Haroldo Lobo, Marino Pinto, gravado por Francisco Alves, que foi marca da campanha eleitoral de Getúlio Vargas em 1950, que retornaria à Presidência da República pelo voto, após ter sido deposto em 1945. Dizia a letra: Bota o retrato do velho outra vez/Bota no mesmo lugar/Bota o retrato do velho outra vez/Bota no mesmo lugar/O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar/O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar/Eu já botei o meu/E tu não vais botar/Eu já enfeitei o meu/E tu não vais enfeitar/O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar.
    Já “No bico da chaleira”, de Juca Storoni, João José da Costa Júnior, é bem anterior (1909), cuja letra dizia: Iaiá me deixe (deixa) subir esta ladeira/Que eu sou do bloco do pega (mas não pego) na chaleira/Na casa do Seu Tomaz/ Quem grita é que manda mais/Que vem de lá/Bela Iaiá/Ó abre alas/Que eu quero passar/Sou Democrata/Águia de Prata/Vem cá mulata/Que me faz chorar.
    A explicação para a letra é de Darcy Ribeiro em “Aos trancos e barrancos – Como o Brasil deu no que deu”, de 1985: “O êxito do carnaval é “No bico da chaleira”, de Costa Júnior, que cria a expressão ‘chaleirar’, dando o nome e conjugação à prática vulgarmente chamada, até então, de puxa-saco ou lambe-cu. A expressão vem de Pinheiro Machado, que tinha sempre uma chaleira fervendo para o chimarrão e, quando pretendia colocar água na cuia, os presentes corriam pressurosos para pegar e servir”. O senador gaúcho Pinheiro Machado era o homem forte da república brasileira em seus primeiros anos e os mais afoitos, mal o ilustre homem manifestava o desejo de saborear seu chimarrão, alguns avançavam para a pequena chaleira e, na ânsia de serem os primeiros, seguravam-na por onde calhasse, ou pelo cabo, ou pelo bojo e até pelo bico. Com isso naturalmente queimavam os dedos. Nasceu daí o dito popular “chaleira”, para designar adulador e a expressão “pegar no bico da chaleira” para indicar aquela ação de adular.
    Explica-se ainda que o senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado foi um dos políticos mais influentes da República Velha (1889-1930), conhecido como “o condestável da república”.
    Ouçam “No bico da chaleira”, gravado pela banda da Casa Edison: http://www.youtube.com/watch?v=GcTyvGi_Mec

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  • BOM DEMAIS, VÁRIOS MÚSICOS RENOMADOS ENTOAM MUSICAS SOBRE A POLÍTICA BRASILEIRA ATRAVÉS DOS TEMPOS. . .

    Resposta
  • Lindíssima e bem escrita matéria! Vou divulgá-la nas redes, pois é muito oportuna para quem viu esta notícia que li agora no ‘Carta Capital’: “Deputado do PSL quer criminalizar músicas para “garantir a saúde mental das famílias””.
    Espero que todos estes compositores da sua lista venham puxar o dedão dele hoje à noite.

    Resposta

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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